quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

A Crise da Civilização

É natural que se vamos tratar de civilização comecemos por tratar da crise da civilização do mundo moderno. Para combater uma crise, precisamos primeiramente identificar as causas. Por hora, deixarei aqui apenas uma breve reflexão sobre três aspectos. São eles: a perda do espírito de sacrifício, a crise da autoridade e a perversão da verdade.

I - Como cristãos aprendemos o valor transcendental dos sofrimentos, adversidades e vicissitudes com o qual nos defrontamos na vida. Todas essas coisas, vistas à luz da Cruz de Cristo, ensinam-nos a cultivar um espírito de sacrifício, regado pela Caridade, pela Fé e pela Esperança. Acontece que, em uma escala menor, esse espírito de sacrifício é necessário ao próprio funcionamento da sociedade. Dado que, como enfatizava Aristóteles, o homem é um ser social e político, ele necessita viver em sociedade para progredir. E esse viver em sociedade exige um certo grau de renúncia em favor do bem comum e em favor dos demais. O homem não vive somente para si. E isso já começa no convívio familiar. Um pai de família não pode viver mais em função somente de suas necessidades, mas tem que estar ciente de que suas ações agora afetam a vida também de sua esposa e de seus filhos. Nesse sentido, muitas vezes ele precisará renunciar a certas coisas para poder atender melhor as necessidades de sua família (terá de gastar o dinheiro primordialmente nas despesas familiares do que nos seus lazeres, por exemplo). E vale o mesmo do que foi exposto para as mães, filhos e etc.
E de que forma isso se relaciona à crise familiar e à crise da Civilização? Simples. O mundo moderno vive sob a mentalidade de um exacerbado hedonismo: a busca do prazer (especialmente o prazer sensível) e do conforto como fins em si mesmo. O hedonismo é essencialmente individualista, pois coloca o bem individual como o bem mais importante. Dessa forma, a juventude desaprende a cultivar o espírito de renúncia e sacrifício já desde cedo, nutrindo-se desordenadamente dos prazeres. Dessa forma, gasta-se, desperdiça-se o fervor e a energia particulares desta idade para o prazer ao invés de trabalhá-las de forma virtuosa. Assim, vemos como é freqüente entre os jovens de hoje a repulsa por um compromisso de amor sério, pelo casamento, pela constituição de uma família. Dizem eles que não querem casar-se e nem constituir família, pois a vida é tão curta e querem "curtir" a vida, especialmente a juventude, sempre prorrogando, ou mesmo negando totalmente as responsabilidades e deveres da vida. Isso gera aquilo que Hannah Arendt chamou de "infantilização da sociedade": as pessoas querem viver como eternas crianças, onde suas responsabilidades são relegadas a terceiros enquanto elas apenas desfrutam das bonança. Sendo assim, diminuí-se o número de famílias estruturadas e sólidas, o que prejudica a formação das novas gerações (que são criadas longe da família e educadas com princípios duvidosos e nocivos) e mesmo impede o crescimento da população para continuar sustentando as complexas sociedades (vide a Europa com crise no sistema de previdência haja vista a presença desproporcional de jovens com relação a uma alta percentagem de idosos). A queda do espírito se sacrifício amolece a vontade da alma humana, fazendo com que também todas nossas atividades sejam medíocres, não recebendo de nós todo o afinco e empenho que deveria ser empregado. Os homens não sabem mais por que vivem e por que morrem e assim não sabem mais como encarar a vida e a morte.

II- O espírito revolucionário, odioso à toda a desigualdade, hierarquia e autoridade é oriundo da sensualidade, como lembravam o Papa Pio XII e o Professor Plínio Corrêa de Oliveira. Muitas ideologias ao longo dos séculos foram imbuídas desse "espírito revolucionário". Deter-me-ei apenas em duas delas: a pedagogia moderna e a idolatria. A pedagogia moderna afetou especialmente o âmbito familiar e escolar ao retirar dos pais e professores a figura de autoridade. Quis fazer das relações familiares e escolares uma mera relação entre amigos, uma relação horizontal e não vertical, hierárquica. Os filósofos antigos e medievais sabiam do grande mal que a Tirania causava a sociedade, mas mesmo assim consideravam que a ausência de governo era pior do que um mal governo. De fato, o caos reina nas famílias e nas escolas onde não há mais um referencial de autoridade. E se não há ordem, não há bom funcionamento. De fato, há alguém que negue que as famílias e a educação estão em crise? Todos temos conhecimento se situações deploráveis de escolas e de famílias desestruturadas. As ideologias têm o costume de prometer paraísos na teoria e na prática produzir centelhas do Inferno. As crianças não vêem mais seus pais como chefes da casa, a quem devem amor, respeito, reverência e piedade filial. Vêem eles apenas como "amigões mais velhos" que os sustentam (e isso para não falar dos casos mais complicados em que a atitude não-exemplar dos pais contribuem para a formação dessa imagem). Assim, sente-se à vontade para mandarem em seus pais e assim crescem mimadas, o que as torna menos capazes de enfrentar as contrariedades da vida. Caso análogo ao dos professores: as crianças não os vêem mais como mestres, que têm o dever de lhes ensinar e de manter a ordem necessária ao aprendizado. E, de fato, muitos professores contribuíram para isso ao usar de didáticas que os transformam em palhaços de circo. Assim, alunos não respeitam mais seus professores, fazem o que querem em sala, acabando com a ordem e impossibilitando um bom aprendizado para a classe. Quando mencionei idolatria, não me referia às religiões politeístas (isso seria assunto para um outro post...), mas a tendência do homem de tirar Deus do seu devido lugar na vida individual e social. Quando se tira Deus, sempre se coloca algo em Seu lugar: o prazer, a classe, a raça, o sangue, a nação... enfim, creio que a História do século XX ilustra perfeitamente isso. Essa tendência permanece hoje no hedonismo: o hedonismo gera a tirania de todos sobre todos. Cada pessoa é o árbitro de si mesmo e de todos: o seu bem individual está acima de tudo. Assim, as pessoas perdem os escrúpulos de passarem uma por cima das outras quando seu prazer, seu conforto esteja em jogo. E assim reina o caos, uma guerra perétua entre todos recordando o que disse Deus pela boca do profeta Isaías: non est pax impiis (Is 57, 21).

III- A perversão da Verdade é nada mais do que aquilo que o Papa Bento XVI, quando ainda era Cardeal falou na homilia da Missa pro eligendo Romano Pontifice de 2005: a ditadura do relativismo. O homem torna a si mesmo o árbitro da Verdade, igualando Verdade e opinião. Assim, cada um fica satisfeito com suas próprias opiniões vivendo em uma falsa harmonia e em um falso consenso, pois esta aparente paz dura somente até que uma opinião incomode o comodismo de outra pessoa. O relativismo torna a longo prazo impossível o convívio social, pois nega a existência de valores e princípios objetivos que são necessários, por exemplo, para a elaboração de leis em uma sociedade. Se não há Verdade objetiva, como classificar o que é permitido e o que não é? Isso mostra o nível degradante da crise da Civilização, que nega a própria lógica.

Como podemos notar, essas três causas se entrelaçam e uma influencia o surgimento da outra, simultaneamente. É contra essa crise que pretendemos combater. Para tal, recordemo-nos das palavras do Papa São Pio X: "Se alguém pedir uma palavra de ordem, sempre daremos esta e não outra: restaurar todas as coisas em Cristo (instaurare omnia in Christo)". De fato, ao iluminarmos as realidades temporais com a mensagem de Cristo, ensinaremos como configurados à cruz de Cristo, recobrarmos e aperfeiçoarmos o espírito de sacrifício. Aprendendo de Cristo que foi obediente à vontade do Pai Celeste saberemos ser obedientes (de forma ordenada, obedecendo sempre a Deus primeiro, certamente) às autoridades queridas ou permitidas sobre nós pela Divina Providência, ao começar pelo âmbito familiar. Recordando que Cristo é a própria Verdade encarnada, nos lembraremos sempre de buscar a Verdade objetiva e pura, evitando assim as falsas soluções.

3 comentários:

  1. Parabéns pelo blog, Dihel!
    A internet precisa é de escritores de qualidade. Contigo, estamos em boas mãos!

    Deus abençoe seu novo apostolado.

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  2. Parabéns pelo blog Rafael, Junior aqui!

    Acompanharei sempre, Deus te ilumine!

    Texto maravilhoso, preciso imprimir isso e dar de presente a alguns professores de filosofia! :P

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  3. Muito bom o texto, vou imprimí-lo e divulgá-lo.
    Parabéns!

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