sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

O valor da família


Hoje na festa da Sagrada Família, lembremos que Jesus Cristo sendo Deus quis ao fazer-se homem nascer no seio de uma família humana. Como homem, Jesus deveria ensinar-nos o perfeito cumprimento dos mandamentos, dentre os quais o IV, honrar pai e mãe. Dos seus 33 anos de vida terrena, Jesus dedicou 30 deles a vida em família. Isto denota a importância que Deus dá a família, que Ele instituiu como base das comunidades e sociedades humanas. Hoje é um dia, portanto, para lembrarmo-nos do valor da família, célula mater da sociedade. A Igreja sempre defendeu a família, mas especialmente em nossos dias em que funestas ideologias tentam dar ao Estado os direitos e deveres inalienáveis da família!

“Precisamente porque a família é o elemento orgânico da sociedade, todo atentado perpetrado contra ela é um atentado contra a humanidade. Deus pôs no coração do homem e da mulher, como instinto inato, o amor conjugal, o amor paterno e materno, o amor filial. Por conseguinte, querer arrancar e paralisar este tríplice amor é uma profanação que por si mesma horroriza e leva à ruína a pátria e a humanidade”. (Papa Pio XII)


Sagrada Família de Nazaré, protegei e santificai todas as famílias do mundo!

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

São Thomas Becket, mártir da Libertas Ecclesiae


Thomas Becket, Arcebispo da Cantuária, foi assassinado a golpes de espada e machado por 4 cavaleiros do rei Henrique II nos degraus da Catedral da Cantuária em 29 de dezembro de 1170, quando celebrava um ofício litúrgico. Acredita-se que a ordem do assassinato tenha partido do próprio rei da Inglaterra, haja vista que posteriormente o mesmo acabou fazendo penitência pública para expiar a culpa pela morte do santo arcebispo. Mas qual o motivo da morte de São Thomas Becket? A defesa intransigente da libertas Ecclesiae, da liberdade de atuação da Igreja. Com o crescimento da Santa Igreja, muitas vezes os poderes seculares buscaram destruir ou controlar a sua atuação. O rei Henrique II queria controlar o clero de seu reino e diminuir a influência da Sé Romana sobre o mesmo. São Thomas colocou-se ao lado dos direitos da Igreja, combatendo a política do monarca inglês e por isso acabou perdendo a vida.
Ainda hoje há muitos que desejam controlar ou liquidar a atuação da Igreja, sob a ideologia do laicismo, que visa esconder a profissão de fé religiosa ao âmbito privado. A Igreja, dizem, não poderia se imiscuir na política. Contudo, a Igreja tem o dever de pregar sempre a moral e a moral não se separa da política, haja vista que nossa conduta em qualquer âmbito deve ser regida pela moral. Hoje a Igreja continua sendo perseguida por combater as ideologias polítcas contrárias à dignidade humana, o laicismo, etc. E assim o será até a consumação do Século. Que pela intercessão de São Thomas Becket possa o Senhor conceder aos Bispos, aos demais clérigos e a todos os fiéis a fortaleza de servir antes a Deus que aos homens (At 5, 29)!


quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Herodes e o massacre dos inocentes


Herodes sabia que era impopular entre os judeus. Perto de sua morte, havia mandado matar um grupo de homens ilustres e notáveis de Jericó para garantir que houve luto na Judéia quando falecesse (Cf. Flávio Josefo. Antiguidades Judaicas 17, cap. 6, v. 174-175). Por ter se tornado rei da Judéia por meio de guerras, intrigas e usurpação, Herodes vivia sob o temor de perder o trono que havia roubado dos monarcas da dinastia hasmonéia. Assim, as profecias sobre a vinda do Messias, o rei que Deus enviaria a Seu Povo, o perturbavam tremendamente. Ao ficar sabendo de rumores sobre o nascimento de Cristo por meio dos magos do Oriente, Herodes busca tramar o assassinato do recém-nascido. O plano frustrado, haja vista os magos não terem lhe informado sobre o achamento do rei nascido, irritou Herodes que, para garantir que seu potencial rival seria eliminado, mandou matar todos os meninos que tivessem de 2 anos de idade para baixo na cidade de Belém (Mt 2, 16-18). A Igreja honrou esses pequeninos como mártires, porque morreram no lugar de Cristo e o motivo de sua morte foi unicamente o ódio a Jesus. Mesmo com todo o abuso de seu poder, Herodes não conseguiu frustrar os desínignios da Divina Providência.
É triste, contudo, percebermos que a lógica de Herodes ainda vive em nossos tempos: para manter seu egoísmo, o homem é capaz de passar por cima de qualquer um. Vemos isso claramente nas ideologias políticas que com suas novas idolatrias (Estado, Raça, Nação, Povo, Bem-estar social) estão deturpando o conceito de Dignidade Humana e promovendo massacres de proporções maiores que o massacre levado a cabo pelos soldados de Herodes em Belém da Judéia. Herodes promoveu a matança para conservar seu poder ilegítimo: hoje os governos autorizam a matança para satisfazer a sede de prazer e comodismo de seus governados. A vida humana, que custou o sangue de Deus humanado, foi rebaixada ao valor de uma medíocre vivência de comodismo material. Defende-se hoje o aborto sob a bandeira da liberdade. Pode haver liberdade se o direito fundamental à vida, que é base de todos os demais, não for assegurado? Pode o inocente ser punido de morte? O espectro de Herodes nos rodeia, mas a Igreja continua seu martíro, seu testemunho, contra os homens que querem se colocar no lugar de Deus.
Hoje, em que lembramos o martírio dos inocentes de Belém, lembremo-nos também da vida humana e de seu valor. Rezemos para que Deus receba em seu seio as crianças abortadas e rezemos também pela conversão dos que perpetuam esses males. E continuemos combatendo as novas idolatrias e defender a dignidada da pessoa humana, criada à Imagem e Semelhança do único e verdadeiro Deus!

"Aqueles, enfim, que têm o supremo governo das nações e o poder legislativo não podem licitamente esquecer-se de que é dever da autoridade pública defender a vida dos inocentes com leis oportunas e sanções penais, tanto mais quanto menos se podem defender aqueles cuja vida está em perigo e é atacada, entre os quais ocupam, sem dúvida, o primeiro lugar as crianças ainda escondidas no seio materno. Se os magistrados públicos não só não defenderem essas crianças mas, por leis e decretos, as deixarem ou até entregarem a mãos de médicos ou de outros para serem mortas, lembrem-se de que Deus é juiz e vingador do sangue inocente, que da terra clama ao céu (Cf. Gn 4, 10)." (Papa Pio XI. Encíclica Casti Conubii, n. 67)


Santos Inocentes, rogai por nós!

Os Santos Inocentes em uma Iluminura Manuelina


Página do Livro de Horas do rei Dom Manuel I de Portugal (1495-1521), produzido em finais de seu reinado, representando o Massacre dos Santos Inocentes de Belém pelos soldados do rei Herodes.

domingo, 25 de dezembro de 2011

Iluminuras de Natal

Iluminuras do Livro de Horas do Duque de Berry (les trés riches heures de Duc de Berry), c. 1410, retratando o Nascimento de Cristo (Folio 44v) e a Missa do dia de Natal (Folio 158r):



I Sermão de Natal de São Leão Magno: a alegria do Natal


"Caríssimos: Nasceu hoje o nosso Salvador; alegremo-nos. Porque não é permitido haver tristeza, quando nasce a vida, a qual acabando com o temor da morte, nos infunde a alegria com a promessa da eternidade. E ninguém é excluído da participação desta alegria. Todos têm igual motivo de se alegrarem, porque nosso Senhor, destruidor do pecado e da morte, assim como não encontrou ninguém livre de culpa, do mesmo modo veio a todos libertar. Exulte o Santo porque se aproxima do triunfo; alegre-se o pecador porque é convidado ao perdão; tenha ânimo o gentio, porque é chamado para a vida. Com efeito, o Filho de Deus, na plenitude do tempo estabelecido pela imperscrutável profundeza do conselho divino, assume, para reconciliar com o seu autor, a natureza do gênero humano, a fim de que o demônio inventor da morte fosse vencido por aquela natureza, que ele primeiro havia vencido. Ó grande mistério e admirável sacramento, verem os animais ao Senhor nascido deitado no presépio. Bem Aventurada a Virgem cujas entranhas mereceram trazer o Cristo Senhor. Ave Maria, cheia de graça, O senhor é contigo, Bem Aventurada."


Extraído de: http://promariana.wordpress.com/2010/12/24/sermao-de-sao-leao-papa-1%C2%BA-sermao-de-natal/

sábado, 24 de dezembro de 2011

O Deus-Menino: um sinal de contradição



Quando falamos em "presépio" ou "manjedoura", geralmente nos vêm a mente a imagem de nossos belos presépios, que nossas famílias preparam com tanto esmero e carinho e que os artistas, embebidos de devoção, fabricam com decoro. Contudo, isto às vezes nos desvia de atentarmos para um fato importante: Cristo nasceu em um presépio porque foi rejeitado. Jesus nasceu em um estábulo. A Arte Sacra visa acentuar a beleza e a transcendência do acontecimento do nascimento de Jesus, e por isso alguns aspectos não nos aparecem ao conteplarmos pinturas e esculturas da Natividade. Jesus nasceu em um estábulo porque foi rejeitado: ninguém teve um pequeno lugar para Ele em suas casas e mesmo nas hospedarias. Certamente, o estábulo que foi cedido para a Sagrada Família não era um lugar limpo e com acomodações para receber um casal e uma criança recém-nascida. Imagino o Deus-Menino tendo de nascer em meio aos odores desagradáveis dos excrementos dos animais, sem almofadas, esteiras ou camas para reclinar. São José e a Virgem tendo de improvisar montes de feno e palha para acomodar o pequeno Jesus na manjedoura, onde os animais daquele estábulo comiam.


Não obstante, a Natureza anuncia Sua chegada com o sinal da estrela para os pagãos do Oriente, os anjos cantam a Sua Glória como Deus Eterno. Alguns pastores de fora da cidade recebem o anúncio de um anjo para irem contemplar o grandioso mistério do Deus que se fez bebê. Apesar de todos esses feitos extraordinários, a vida em Belém da Judéia para ocorrer como se nada disso tivesse acontecido. Fora a visita dos pastores que receberam o anúncio do anjo, só veremos outras visitas depois: Simeão e Ana que o aguardavam em Jerusalém, os Magos que demoraram devido à distância da viagem: além da procura frustrada dos soldados de um inquieto Herodes temeroso de perder seu trono conquistado a custa de sangue. E eu sempre me pergunto: os anjos naturalmente só foram vistos pelos pastores, mas... ninguém mais viu aquela nova estrela a brilhar de forma maravilhosa e destacada sobre aquele estábulo em Belém?!

Aquelas pessoas provavelmente esperavam o Messias, mas o egoísmo, a indiferença ou mesmo o ódio impedia-as as de verem o que acontecia diante de seus olhos: ali, naquele estábulo, como haviam dito os Profetas acerca da feliz cidade de David, nascia o Redentor prometido ao povo de Israel, que congregaria sob seu cetro todas as Nações e povos da Terra.

Hoje, as coisas não mudaram tanto. Enquanto celebramos o Natal em nossas famílias, em nossas Igrejas... o mundo lá fora continua como se nada estivesse acontecendo. É verdade! Há luzes... há festa... mas é uma festa embriagada, da qual não se sabe mais o sentido e que já na manhã do dia 25 aparecerá como uma mera ressaca de uma farra de consumismo e prazer desordenado. Também aí a indiferença e o ódio se encontram. E a origem de ambos é o egósimo: os homens muito preocupados consigo mesmos não são capazes de ver as maravilhas de Deus operadas diante de seus olhos e, quando os sinais tornam-se demais evidentes, os homens passam a tratar as coisas de Deus com hostilidade, haja vista não poderem mais ficarem em sua cômoda indiferença. Em muitos lugares, o presépio tem sido visto com ódio, considerado uma coisa ofensiva às sensibilidades religiosas alheias. Ou à falta delas. Realmente diante de tanto ódio, de tanta inquidade, ofensivo mesmo é o Filho Eterno de Deus intrometer-se em nossa vida assumindo a natureza humana. A kenosis, o "rebaixamento" de Cristo que na sua humildade fez-se Homem continua a ser um escândalo para o mundo. Deus na Sua loucura superior a nossa vã sabedoria nos dá uma lição de humildade e deixa nosso egoísmo corado de vergonha: Deus sendo infinitamente perfeito de nada necessita, não necessita de nós homens. Contudo, por amor a nós e para nossa Salvação, desceu dos céus e encarnando-se no seio da Virgem Maria se fez homem.
O velho Simeão profetizara diante da Virgem que aquele Menino que ela carregava nos braços seria um sinal de contradição para muitos. Ele já o havia sido logo que nasceu e continuará sendo até o Fim dos Tempos, quando vier de novo em Sua Glória. Contudo, a indiferença e o ódio dos homens não frustam os desígnios da Divina Providência, pois o frágil Deus-Menino foi preservado e com Sua vida, Seu Sacrifício e Seu Mistério Pascal, consumou a obra da Redenção.
Que neste Natal não fiquemos indiferentes nem hostis ao Salvador que vem ao nosso encontro. Limpemos, pela graça dos sacramentos, o esterco dos pecados no estábulo de nossa alma para que possamos fazer de nós mesmos um abrigo para Jesus e assim anunciá-Lo para o mundo! Que seja o Deus-Menino sempre um sinal de contradição a desconcertar nosso egoísmo e convidarmo-nos a uma contínua conversão!


segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Advento: expectativa e espera

Na Oração Eucarística da Missa fala-se da feliz esperança de aguardar a vinda do Cristo Salvador. Esta espera consiste no cerne da espiritualidade do tempo litúrgico do Advento. Nela, refletindo sobre o anseio dos Profetas e do povo hebreu pela vinda do Messias, que se encarnou nos tempos de César Augusto, somos convidados a cultivar a espera pela segunda vinda do Messias, na qual o Rei de Israel, elevará o Reino de Deus à Sua Plenitude. Igualmente, somos convidados a desejar e buscar a vinda do Salvador pela Graça em nossos corações e em nossas almas, para que, por nossa santidade possamos ser sinais do Reino de Deus, ao fazermos de nossos corações tronos para Jesus Cristo.
Nessa última semana de Advento, gostaria de propor para refletirmos a figura de 3 personagens do Novo Testamento que dão exemplo da feliz esperança da qual falamos acima.

Primeiramente, consideremos a figura da Virgem Maria. Maria foi a primeira a receber o anúncio do Anjo sobre a Encarnação de Cristo. Certamente o anjo a encontrara vigilante: a iconografia tradicional costuma representar a Virgem em oração ao receber a visita do anjo, mas, mesmo se considerarmos a forma com que habitualmente os filmes e artistas mais recentes a representaram, recebendo a visita do anjo durante seus afazeres domésticos, isso não compromete o fato de que a Virgem certamente fazia tais tarefas em espírito de vigília e oração. Os Evangelhos dizem que Maria guardava os acontecimentos no coração e meditava em seu íntimo acerca deles (Lc 2, 19). Disso podemos deduzir que ela meditava frequentemente sobre as palavras dos profetas e assim aguardava a realização das promessas do Altíssimo. Portanto, o espírito de oração e meditação deve ser o primeiro passo para nossa expectativa.

Depois da Virgem, os Evangelhos nos mostram também a figura de Simeão. Os Evangelhos nos dizem que este piedoso ancião esperava a consolação de Israel (Lc 2, 25). O relato de São Lucas diz-nos também que Simeão chegou ao Templo para adorar o menino Jesus guiado pelo Espírito Santo (Lc 2, 27). A simples vista do menino bastou-o para crer na obra da Redenção ao ponto de dizer a Deus já sentir-se seguro para partir em paz para a mansão dos mortos (Lc 2, 28-32). Portanto, a figura de Simeão nos recorda que devemos confiar nos planos da Divina Providência e nos abrir à ação do Espírito Santo em nossas almas.

Por fim, uma figura proposta fortemente pela Liturgia do Advento é a de São João Batista. Sua vida ascética no deserto de preparação para preparar os caminhos de Jesus, bem como sua pregação para levar o Povo de Israel à conversão nos recordam a dimensão prática de nossa bem-aventurada esperança: Devemos fortalecer nossa vida espiritual pela ascese, pela penitência, pelo sacrifício. E esta preparação nos dará forçar para cumprirmos nossa tarefa missionária de anunciar a vinda do Senhor para os demais.
Peçamos portanto a Deus, o zelo que animou a Virgem, Simeão e o Batista a aguardarem solícitos e vigilantes a primeira vinda do Salvador, para que possamos igualmente vigilantes prepar-nos e preparar nosso próximo para a segunda vinda de Cristo. E que, pela nossa santificação, possamos antecipar um pouco do Reino que virá em plenitude com a Parousia ao nos tornarmos sementes do Reino pela vida de santidade.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Breve exposição sobre a Imaculada Conceição da Ssma. Virgem Maria


Desde os primeiros tempos da Igreja, muitos Padres da Igreja propagaram a doutrina de que a Virgem Maria, em previsão dos méritos redentores de Cristo (para que pudesse ser digna de recebê-Lo em seu puríssimo seio) fora preservada de toda mancha do pecado original e de todo pecado. De fato, isto pode ser deduzido das palavras do Anjo na Anunciação que saudou a Virgem como kecharitomene, “cheia de Graça”, indicando que ela estava plena da Graça de Deus, de forma que não poderia haver pecado algum nela.

Vários Padres da Igreja ao mencionar seu santíssimo nome, adjetivaram-na de Imaculada e freqüentemente lhe aplicaram a expressão “Vaso insigne de devoção” para indicar que ela era um vaso sem defeito, digno de conter em seu interior o Santo Salvador. Consideravam que convinha à Virgem ser pura e imaculada para que fosse digna de ser Mãe do Santo e Imaculado Filho de Deus.

"O Cristo foi concebido e tomou o seu crescimento de Maria, a Mãe de Deus toda pura [...] Como o Salvador do mundo tinha decretado salvar o gênero humano, nasceu da Imaculada Virgem Maria" (Santo Hipólito de Roma, Bispo de Porto e Mártir, morto em 235).

"Esta Virgem Mãe do Unigênito de Deus chama-se Maria, digna de Deus, imaculada das imaculadas, sem par" (Origines, Homilia 1. Ano 280).

"Este menino não precisa de Pai na terra, porque tem um pai incorruptível no céu; não precisa de Mãe no Céu, porque tem uma Mãe Imaculada e casta na terra, a Virgem Bem-aventurada, Maria". (Orígines. Sermões sobre São José).

“Eu considero estar em conformidade com a razão que, com relação à pureza a qual consiste na caridade, Jesus foi o primeiro entre os homens, enquanto Maria foi a primeira entre as mulheres.” (Origenes, Comentário sobre Mateus. 10, 17).

"Tendo sido o primeiro homem formado de uma terra imaculada, era necessário que o homem perfeito nascesse de uma Virgem igualmente imaculada, para que o Filho de Deus, que antes formara o homem, reparasse a vida eterna que os homens tinham perdido" (Santo André, Cartas dos Padres de Acaia, exposição ao procônsul Egeu, atas do martírio de Santo André, século IV).

“Ele (Cristo) tomou-o (o corpo dEle) de uma Virgem pura e imaculada, a qual não conheceu homem.” (Santo Atanásio de Alexandria, falecido em 373, Tratado Da Encarnação do Verbo, 8)

"A Santíssima Senhora, Mãe de Deus, a única pura na alma e no corpo, a única que ultrapassa toda perfeição de pureza, a única morada de todas as graças do Santíssimo Espírito, e, portanto, excedendo qualquer comparação até mesmo com as virtudes angelicais em pureza e santidade de corpo e alma ... minha Senhora santíssima, puríssima, incorruptível, inviolada, prenda imaculada dAquele que se revestiu com luz e prenda ...flor que não murcha, púrpura tecida por Deus, a única imaculada" (Santo Éfrem, o Sírio, Diácono e Doutor, falecido em 373. «Precationes ad Deiparam», in Opp. Graec. Lat., III, 524-37).

"Maria, uma virgem não profanada, Virgem tornada inviolável pela graça, livre de toda mancha do pecado" (Santo Ambrósio de Milão, Sermão 22,30. Ano 317).

Igualmente, as antigas Liturgias orientais dos 4 primeiros séculos usam freqüentemente o adjetivo Imaculada ao mencionar a memória ou suplicar a intercessão da Mãe de Deus.

No século XV, o Papa Sixto IV instituiu a festa litúrgica da Imaculada Conceição com Missa e Ofício próprios, que logo tornou-se festa de preceito. No século XVII, o Papa Alexandre VII condenou os que sustentavam que a dita festa não celebrava propriamente a Imaculada Conceição da Virgem, mas somente sua santificação. O mesmo Pontífice igualmente condenou os que ensinassem contra a doutrina ou o culto da Imaculada Conceição.

Em 1854, o Papa Pio IX proclamou como dogma a doutrina da Imaculada Conceição da Mãe de Deus nos seguintes termos:

“A doutrina que sustenta que a beatíssima Virgem Maria, no primeiro instante da sua Conceição, por singular graça e privilégio de Deus onipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano, foi preservada imune de toda mancha de pecado original, essa doutrina foi revelada por Deus, e por isto deve ser crida firme e inviolavelmente por todos os fiéis.” (Bula Ineffabilis Deus, n. 41)

Por fim, a doutrina da Imaculada Conceição não anula o fato de que Jesus Cristo é redentor de toda a humanidade, haja vista que o privilégio singular da Imaculada Conceição de Maria Santíssima foi concedido por Graça de Deus em previsão dos méritos redentores de Cristo na Cruz, para que pudesse ser digna de receber o Filho de Deus em seu útero virginal.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

O Advento e a Eucaristia


"Talvez você estranhe por que a Eucaristia ou o Sacramento da Reconciliação continuem a não lhe transformar, a não lhe trazer resultados visíveis. Pois importa dizer que a graça, para poder atuar, requer abertura e disponibilidade interior. Repare como a Igreja, na sua sabedoria, se esforça no ano litúrgico por nos preparar para o acolhimento das graças do Natal. A esse objetivo dedica as semanas do Advento, durante as quais reza incessantemente para que Jesus venha e desça à terra. "Que os céus, das alturas derramem o seu orvalho" (Is 45, 8), canta ela nas suas orações litúrgicas. A Igreja pretende que cresça em nós a fome de Jesus, a fome de Sua vinda. Quer que, no quadro do ano litúrgico, Jesus nasça de novo no decurso das celebrações do Natal e que venha até nós na medida em que dentro de nós cresça a fome e o desejo pela Sua vinda. As graças do Natal atuam no nosso coração na medida em que estamos preparados e abertos para recebê-las, ou seja, na medida da nossa fé. Se não vivermos o Advento e se não se espera Jesus, não se surpreenda que, de certa forma, o Natal se escape sem deixar em você qualquer rasto na alma.

Tal como a vinda de Jesus no Natal é precedida pela espera do Advento, a Sua vinda na Eucaristia deve igualmente ser antecedida pela espera. Jesus desce sempre de novo no altar para lá voltar a nascer. Esse nascimento sobre o altar deveria também ser precedido por um "advento" - o advento eucarístico. Este advento eucarístico é, antes de mais, uma atitude de fé, fé no amor de Jesus que o espera. Como é importante que creia que Jesus deseja vir ao seu coração, que é Ele que deseja a celebração da Eucaristia, que Ele anseia o momento da comunhão para Se dar plenamente a você, na maior fonte de graças: o Santíssimo Sacramento."

(Pe. Tadeusz Dajczer. Meditações sobre a Fé. São Paulo: Palavra e Prece, 2007. pp. 189-190)

domingo, 27 de novembro de 2011

O Advento e o Juízo Final


“...então verão ao Filho do Homem, vindo com grande poder e majestade terrível, cercado dos anjos e dos santos...” (S. Lucas 21, 27)

"Não é já, meus irmãos, um Deus revestido de nossa fraqueza, não está oculto na obscuridade de um pobre estábulo, nem está reclinado em um pesebre, cheio de opróbrios, oprimido pela pesada carga de sua cruz; é agora um Deus revestido com todo o brilho de seu poder e de sua majestade, que há de anunciar sua vinda por meio dos mais espantosos prodígios, a dizer, pelo eclipse do sol e da lua, pela queda das estrelas, e por um total transtorno da natureza. Não é mais um Salvador que vem como um manso cordeiro a ser julgado pelos homens e a redimi-los: é um Juiz justamente indignado, que julga os homens com todo rigor de sua justiça. Não é mais um pastor caritativo que vem em busca das ovelhas extraviadas para perdoá-las: é um Deus vingador que vem separar para sempre os pecadores dos justos, a esmagar os malvados com sua mais terrível vingança, a inundar o justo em uma torrente de doçura. Momento Terrível, momento espantoso, quando chegará? Momento infeliz, quem sabe em breve chegarão a nossos ouvidos os anúncios precursores deste Juiz tão temível para o pecador. Oh! Pecadores, sair do túmulo de vossos pecados, vem ao tribunal de Deus, vem aprender de que maneira será tratado o pecador. O ímpio neste mundo parece chegar a desconhecer o poder de Deus, vendo os pecadores sem castigo; chega até a dizer: Não, não a Deus, não a inferno; ou bem, Deus não dá atenção ao que passa na terra. Mas, deixar amigos, deixar que venha o Juízo, e, neste grande dia, Deus manifestará o seu poder e mostrará, a todas as nações que ele há visto tudo, e que tudo a levado em conta.

Que diferença filhos meus, entre estas maravilhas e as que Deus operou ao criar mundo! Que as águas, reguem e fertilizem a terra – disse então o Senhor – e nos mesmo instante às águas cobriram a terra e deram-lhe fecundidade. Mas, quando vier a destruir o mundo, mandará ao mar saltar suas barreiras com ímpeto espantoso para engolir o universo inteiro em seu furor. Criou Deus o céu, e ordenou as estrelas que se fixassem no firmamento. A Ordem de sua voz, o sol iluminou o dia, e a lua presidiu a noite. Mas neste último dia, o sol se escurecerá, e não dará jamais luz a lua e as estrelas. Todos estes astros cairão com estrondo formidável.

Que diferença filhos meus, para criar o mundo Deus empregou seis dias, mas para destruí-lo, um abrir e fechar de olhos bastará. Para criá-lo a ninguém chamou para que fosse testemunha de tantas maravilhas; mas para destruí-lo todos os povos estarão presentes, todas as nações confessarão que a um Deus e reconhecerão seu poder. Venham zombadores ímpios, venham incrédulos refinados, venham ver se existe ou não Deus, se a visto ou não toda a vossa ação, se é ou não Todo Poderoso! Oh! Meu Deus, como mudará de linguagem o pecador, naquela hora! Que lamentações! Como se arrependerá de ter perdido um tempo tão precioso! Mas não é mais tempo, tudo a concluído para o pecador, não a esperança! Que terrível instante será aquele! Disse São Lucas: os homens cairão cheios de pavor, pensando nas desgraças que os espera.

Ah! Filhos meus, bem pode um, cair certo de temor e morrer de espanto frente à ameaça de uma desgraça infinitamente menor que aquela que o pecador espera, e que certamente virá se continua vivendo no pecado.

Filhos meus, se neste momento que me disponho a falar do Juízo, no qual compareceremos todos, para dar conta de todo mal e de todo bem que tenhamos feito, e receber a sentença de nosso definitivo destino ao céu ou ao inferno, se neste momento viesse um anjo a anunciar já por parte de Deus que dentro de 24 horas, todo o universo será abraçado em chamas por uma chuva de fogo e de enxofre, se começar já a ouvir que o trovão retumba, e a ver que a tempestade enfurecida assola vossas casas, que os relâmpagos e os raios se multiplicam até a converter o universo em um globo de fogo, que o inferno vomita já todos os condenados cujos gritos e urros fazem-se ouvir até os confins do mundo; anunciando que o único meio de evitar tanta desgraça, é abandonar o pecado e fazer penitencia; poderia escutar Filhos meus a esses homens sem derramar torrente de lagrimas e a clamar misericórdia? Não se veria lançar-se aos pés dos altares, pedindo a Deus clemência? Ó cegueira, o desgraça incompreensível do homem pecador, os males que o vosso Pastor vos anuncia são ainda mais infinitamente espantosos e mais dignos de arrancar as vossas lágrimas, e rasgar vossos corações.

Ah! Estas terríveis verdades vão ser outras tantas sentenças que pronunciará vossa condenação eterna. Mas a maior de todas as infelicidades é que sejais insensíveis a elas e continueis vivendo em pecado sem reconhecer vossa loucura até o momento em que não tenha já remédio para vós. Um momento mais, e aquele pecador que vivia tranqüilo no pecado será julgado e condenado; um instante mais, e levará consigo seus lamentos por toda a eternidade. Sim, Filhos meus, seremos julgados, nada mais certo; sim, seremos julgados sem misericórdia; sim, eternamente nos lamentaremos de haver pecado.

I - Lemos na Sagrada Escritura, que cada vez que Deus quer enviar algum castigo ao mundo ou a sua Igreja, faz sempre preceder de algum sinal que começa a infundir o terror nos corações e os leve a aplacar a divina justiça. Querendo inundar o universo num dilúvio, a arca de Noé, cuja construção durou cem anos, foi um sinal para induzir aos homens a penitência, sem a qual todos deviam perecer. O historiador Josefo refere que, antes da destruição de Jerusalém, deixou-se ver, durante longo tempo, uma corneta em figura de foice, que punha aos homens em consternação. Todos se perguntavam: Ai de nós! Que quer anunciar este sinal? Talvez alguma grande desgraça que Deus vai enviar-nos. A lua esteve sem iluminar oito noites seguidas; as pessoas pareciam não poder viver mais. De repente, aparece um desconhecido que, durante três anos, não faz senão gritar, dia e noite, pelas ruas de Jerusalém: Ai de Jerusalém! Ai de Jerusalém!... Prendem-lhe; açoitam-lhe com varas para impedir-lhe que grite; nada lhe detém. Depois de três anos exclama: Ai de Jerusalém! E Ai de mim! Uma pedra lançada por uma máquina lhe cai em cima e lhe esmaga no mesmo instante. Então todos os males que aquele desconhecido havia pressagiado a Jerusalém vieram sobre ela. A fome foi tão grande que as mães chegaram a degolar a seus próprios filhos para alimentar-se com sua carne. Os habitantes, sem saber por que, degolavam-se uns a outros; a cidade foi tomada e como que aniquilada; as ruas e as praças estavam todas cobertas de cadáveres; corriam rios de sangue; os poucos que conseguiram salvar suas vidas foram vendidos como escravos.

Mas, como o dia do juízo será o mais terrível e espantoso de tudo quanto tenha acontecido, lhe precederão sinais tão horríveis, que levará ao espanto até o fundo dos abismos. Diz-nos o Senhor que, naquele momento infeliz para o pecador, o sol não dará mais luz, a lua será semelhante a uma mancha de sangue, e as estrelas cairão do firmamento. O ar estará tão cheio de relâmpagos que será um incêndio todo ele, e o ruído dos trovões será tão grande que os homens ficarão cheios de espanto. Os ventos soprarão com tanto ímpeto, que nada poderá resistir. Árvores e casas serão arrastadas ao caos do mar; o mesmo mar de tal maneira será agitado pelas tempestades, que suas ondas se elevarão quatro côvados acima das mais altas montanhas e baixarão tanto que poderão ver-se os horrores do abismo; todas as criaturas, mesmo as insensíveis, parecerão querer-se aniquilar, para evitar a presença de seu Criador, ao ver como os crimes dos homens a manchado e desfigurado a terra.

As águas dos mares e dos rios ferverão como azeite sobre brasas; as árvores e plantas vomitarão torrentes de sangue; os terremotos serão tão grandes que se verá a terra afundar-se por todas as partes; a maior parte das árvores e das bestas serão tragadas pelo abismo, e os homens, que sobreviver ainda, ficarão como insensatos; os montes e penhascos se desabarão com horrorosa fúria. Depois de todos estes horrores se acenderá fogo nos quatro cantos do mundo: fogo tão violento que consumirá as pedras, os penhascos e a terra, como cordas de palha jogadas num forno. O universo inteiro será reduzido a cinzas; é preciso que esta terra manchada com tantos crimes seja purificada pelo fogo que inflamará a cólera do Senhor, de um Deus justamente irritado.

Uma vez que esta terra coberta de crimes seja purificada, enviará Deus, Filhos meus, os seus anjos, que farão soar a trombeta pelos quatro cantos do mundo e dirão a todos os mortos: Levantai-vos, mortos, saí de vossas tumbas, vinde e comparecei ao juízo. Então, todos os mortos, bons e maus, justos e pecadores, voltarão a tomar a mesma forma que tinham antes; o mar vomitará todos os cadáveres que guarda escondido em seu caos, a terra devolverá todos os corpos sepultados, desde tantos séculos, em seu seio. Cumprida esta revolução, todas as almas dos santos descerão do céu resplandecentes de glória e cada alma tomará o seu corpo, dando-lhe mil e mil parabéns. Venha, lhe dirá, venha, companheiro de meus sofrimentos; se trabalhaste por agradar a Deus, se fizeste consistir tua felicidade nos sofrimentos e combates, Oh! Que bens nos estarão reservados! Faz já mais de mil anos que gozo esta felicidade; Oh! Que alegria para mim vir anunciar-te tantos bens que estão preparados para a eternidade. Venham benditos olhos, que tantas vezes vos fechastes em presença dos objetos impuros, por temor de perder a graça de vosso Deus, vinde ao céu, onde não vereis senão belezas jamais vistas no mundo. Venham, ouvidos meus, que tivestes horror às palavras e aos discursos impuros e caluniosos; venha e escutareis no céu aquela música celeste que vos arrebatará em êxtase contínuo. Venham, pés meus e mãos minhas que tantas vezes vos empregastes em aliviar aos desgraçados; vamos passar nossa eternidade no céu, onde veremos a nosso amável e caritativo Salvador que tanto nos amou. Ah! Ali verás aquele que tantas vezes veio descansar em teu coração. Ah! Ali veremos aquela mão manchada de sangue de nosso divino Salvador, pela qual nos mereceu tanta alegria. Enfim, o corpo e a alma dos santos se darão mil e mil parabéns; e isto por toda a eternidade.

Depois que todos os santos tenham voltado a tomar seus corpos, radiantes todos ali de glória segundo as boas obras e as penitências que tenham feito, esperar-se-ão contentes o momento em que Deus, à vista do universo inteiro, revele, uma por uma, todas as lágrimas, todas as penitências, todo o bem que eles tenham realizado durante sua vida; felizes com a felicidade do mesmo Deus. Esperai lhes dirá o mesmo Jesus Cristo, esperai, quero que todo o universo se alegre em ver quanto trabalhastes. Os pecadores insensíveis, os incrédulos diziam que eu era indiferente o quanto vocês fizeram por mim; eu vou mostrar-lhes, neste dia, que vi e contei todas as lágrimas que derramastes no fundo dos desertos; vou mostrar-lhes neste dia que a vosso lado me achava eu sobre os patíbulos. Venham todos e comparecei adiante desses pecadores que me desprezaram e ultrajaram que ousaram negar que eu existisse e que os visse. Venham, filhos meus, venham, meus amados, e vereis quão bom fui e quão grande foi meu amor para com vós.

Contemplemos por um instante, Filhos meus, a esse infinito número de almas justas que entram de novo em seus corpos, fazendo-os semelhantes a formosos sóis. Olhai a todos esses mártires, com as palmas na mão. Olhai a todas essas virgens, com a coroa da virgindade em suas cabeças. Olhai a todos esses apóstolos, a todos esses sacerdotes; tantas quantas almas salvaram, outros tantos raios de glória os embelezam. Todos eles, Filhos meus, dirão a Maria, a Virgem-Mãe: Vamos reunir-nos com Aquele que está no céu, para dar novo esplendor de glória a vossa beleza.

Mas não, um momento de paciência; vocês foram desprezados, caluniados e perseguidos pelos malvados; justo é que, antes de entrar no reino eterno, venham os pecadores a dar-vos satisfação honrosa.

Mas terrível e espantosa mudança! Ouço a mesma trombeta chamando aos réprobos para que saiam dos infernos. Venham, pecadores, carrascos e tiranos, dirá Deus que a todos queria salvar, vinde, comparecei ante o tribunal do Filho do Homem, frente aquele de quem tantas vezes atrevidamente pensastes que não vos via nem vos ouvia! Vinde e comparecei, porque quantos pecados cometeram em toda vossa vida, serão manifestados à face do universo. Então clamará o anjo: Abismos do inferno, abri vossas portas!

Vomitai a todos esses réprobos! Seu Juiz os chama. Ah, terrível momento! Todas aquelas infelizes almas réprobas, horríveis como demônios, sairão dos abismos e irão, como desesperadas, em procura de seus corpos. Ah, momento cruel! No instante em que a alma entrar em seu corpo, este corpo experimentará todos os rigores do inferno. Ah! Este maldito corpo, estas malditas almas se jogarão mil e mil maldições. Ah! Maldito corpo, dirá a alma a seu corpo que se arrastou e rolou pelo lodo das suas impurezas; faz mais de mil anos que eu sofro e me abraso nos infernos. Venham malditos olhos, que tantas vezes alegrastes em olhares desonestos a vos mesmos ou aos demais, vinde ao inferno a contemplar os monstros mais horríveis. Venham malditos ouvidos, que tanto gosto achasteis nas palavras e discursos impuros, venha escutar eternamente os gritos, urros e rugidos dos demônios. Venham, língua e boca malditas, que destes tantos beijos impuros e que nada omitistes para satisfazer vossa sensualidade e vossa gula, vinde ao inferno, onde a malícia dos dragões será vosso alimento único. Vêem corpo maldito, a quem tanto procurei contentar; vêem ser lançado por uma eternidade num lago de fogo e de enxofre acendido pelo poder e a cólera de Deus! Ah! Quem será capaz de compreender, ou ao menos de expressar as maldições de que o corpo e a alma mutuamente se acharão jogados por toda a eternidade?


Sim, Filhos Meus, veja a todos os justos e os réprobos que recobraram sua antiga figura, isto é, seus corpos tal como nós os vemos agora, e esperam a seu juiz, mas um juiz justo e sem compaixão, para castigar ou recompensar, segundo o mau ou o bem que tenham feito. Veja que chega já, sentado num trono, radiante de glória, rodeado de todos os anjos, acompanhado do estandarte da cruz. Os malvados vendo o seu juiz, que dirão? Vendo aquele a quem antes via ocupado somente em procurar a felicidade do paraíso, e que, apesar disto, se tenha condenado, exclamarão: Montanhas caiam sobre nós, arrancai-nos da presença de nosso juiz; penhascos caiam sobre nós; Ah! Por favor, precipitai-nos nos infernos! Não, não, pecador, aproxima e vem render conta de toda tua vida. Aproxima-te infeliz, que tanto desprezaste a um Deus tão bom. Ah! Juiz meu, pai meu, criador meu, onde estão meu pai e minha mãe que me condenaram? Ah! Quero vê-los; quero reclamar-lhes o céu que me deixaram perder. Ai, pai! Ai, mãe! Foram vós os que me condenastes; fostes-vos a causa da minha infelicidade. Não, não, ao tribunal de teu Deus; não há remédio para ti. Ah! Juiz meu, exclamará aquela jovem..., onde está aquele libertino que me roubou o céu? Não, adianta-te, não esperes socorro de ninguém... Estás condenada! Não há esperança para ti; sim, está perdida; sim, tudo está perdido, já que perdeste a tua alma e a teu Deus. Quem poderá compreender a infelicidade de um condenado que verá na frente de si, ao lado dos santos, a seu pai ou a sua mãe, radiantes de glória e destinados ao céu, e a si próprio reservado para o inferno? Montanhas, dirão estes réprobos, sepulta-nos; por favor, caía sobre nós! Portas do abismo, abrir-se-vos para sepultar-nos nele! Não, pecador; tu sempre desprezaste meus mandamentos; mas hoje é o dia em que eu quero mostrar-te que sou teu dono. Comparece diante de mim com todos teus crimes, dos quais não mais é do que um tecido de tua vida inteira. Então será, disse o profeta Ezequiel, quando o Senhor tomará aquele grande caderno milagroso, onde estão escritos e consignados todos os crimes dos homens. Quantos pecados que jamais apareceram aos olhos do mundo vão agora manifestar-se! Tremei os que, quiçá faz quinze ou vinte anos, vindo acumular pecado sobre pecado. Desgraçados de vos!

Então Jesus Cristo, com o livro das consciências na mão, com voz de trovão formidável, chamará todos os pecadores para convencê-los de todos os pecados que tenham cometido durante sua vida. Venham impudicos, lhes dirá, aproximai-vos e lede, dia por dia; Vejam todos os pensamentos que mancharam vossa consciência, todos os desejos vergonhosos que corromperam vosso coração; lede e contai vossos adultérios; vede o lugar, o momento em que os cometestes; vede a pessoa com a qual pecastes. Lede todas vossas paixões e sensualidade, lede e conta bem quantas almas perdestes, que tão caras me tinham custado. Mais de mil anos levava já vosso corpo podre no sepulcro e vossa alma no inferno, e ainda vossa libertinagem seguia arrastando almas à condenação. Vês a essa mulher a quem perdestes, a esse marido, a esses filhos, a esses vizinhos? Todos clamam vingança, todos vos acusam de sua ruína, de que, senão fosse por vós, teriam ganho o céu. Venham mulheres mundanas, instrumentos de Satanás, venha e leia todo o cuidado e o tempo que empregastes em compor; contai a multidão de maus pensamentos e de maus desejos que suscitastes nas pessoas que vos viram. Olhai todas as almas que vos acusam de sua ruína. Venham, maldizentes, semeadores de falsas doutrinas, venha e leia, aqui estão escritas todas vossas calúnias, vossas enganações, e vossas maldades; aqui tendes todas as desavenças que causastes, aqui tendes todas as perdas e todos os danos de que vossa maldita língua foi causa principal. Ide, infelizes, a escutar no inferno os gritos e os uivos horríveis dos demônios.

Venham, malditos avarentos, lede e contai esse dinheiro e esses bens perecíveis aos quais afeiçoastes vosso coração, com menosprezo de vosso Deus, e pelos quais sacrificastes vossa alma. Esquecestes vossa dureza para com os pobres? Aqui a tendes, lede e contai. Vede aqui vosso ouro e vossa prata, pedi-lhes agora que vos socorram, dizei-lhes que vos livrem de minhas mãos.

Ide, malditos, a lamentar vossa miséria nos infernos. Venham vingativos, lede e vede tudo quanto fizestes em dano de vosso próximo, contai todas as injustiças, todos os pensamentos de ódio e de vingança que alimentastes em vosso coração; ide, infelizes, ao inferno.

Ah, rebeldes! Mil vezes vo-lo avisaram meus ministros, que se não amasseis a vosso próximo como a vós mesmos, não teria perdão para vós. Apartai-vos de mim, malditos, ide ao inferno, onde serão vítimas de minha cólera eterna, onde aprendereis que a vingança está reservada só a Deus. Vêem, vêem bebedor, aproxima-te, olha até o último copo de vinho, até o último bocado de pão que tiraste da boca de tua esposa e de teus filhos; tenho aqui todos teus excessos, os reconheces? São os teus realmente, ou os de teu vizinho? Tenho aqui o número de noites e de dias que passastes nas tabernas, os domingos e festas; tenho aqui, uma por uma, as palavras desonestas que dissestes em tua embriaguez; tenho aqui todos os juramentos, todas as maldições que vomitastes; tenho aqui todos os escândalos que deste a tua esposa, a teus filhos e a teus vizinhos. Sim, tudo escrevi, tudo o contei.

Vai-te infeliz, embriagar-te das amarguras de minha cólera nos infernos. Venham mercadores, trabalhadores, todos quaisquer que fosse vosso estado; venha, dar-me conta, até a última moeda, de tudo o que comprastes e vendestes; venha, examinemos juntos se vossas medidas e vossas contas concordam com as minhas. Veja mercadores, o dia em que enganastes a esse menino. Veja aquele outro dia em que exigistes dobrado preço por vossa mercadoria. Venham, profanadores dos Sacramentos, veja todos vossos sacrilégios, todas vossas hipocrisias. Venham, pais e mães, dai-me conta dessas almas que eu vos confiei; dai-me conta de tudo o que fizeram vossos filhos e vossos criados; veja todas as vezes que lhes deste permissão para ir a lugares e juntar-se com companhias que lhes foram ocasião de pecado. Veja todos os maus pensamentos e desejos que vossa filha inspirou; veja todos seus abraços e outras ações infames; veja todas as palavras impuras que pronunciou vosso filho. Mas, Senhor, dirão os pais e mães, eu não lhe mandava tais coisas.

Não importa lhes dirá o juiz, os pecados de teus filhos são teus pecados. Onde estão as virtudes que lhes fizestes praticar? Onde os bons exemplos que lhes destes e as boas obras que lhes mandastes fazer? Ai! Que vai a ser desses pais e mães que vêem como vão seus filhos, uns ao baile, outros ao jogo ou aos bares, e vivem tranqüilos? Deus meu, que cegueira! Que cúmulo de crimes, pelos quais vão ver-se constrangidos naqueles terríveis momentos! Oh! Quantos pecados ocultos, que vão ser publicados à face do universo! Oh, abismos dos infernos! Abri-vos para engolir a essa multidão de réprobos que não viveram senão para ultrajar o seu Deus e condenar-se.

Mas então, me direis, todas as boas obras que fizemos de nada serviram? Nossos jejuns, nossas penitências, nossas esmolas, nossas comunhões, nossas confissões, ficaram sem recompensa? Não, vos dirá Jesus Cristo, todas vossas orações não era outra coisa que rotinas; vossos jejuns, hipocrisias; vossas esmolas, vanglória; vosso trabalho não tinha outro fim que a avareza e a cobiça; vossos sofrimentos não iam acompanhados senão de queixas e murmurações; e tudo quanto fazia, eu não compactuava com nada. Por outra parte, recompensei-vos com bens temporários: abençoei vosso trabalho; dei fertilidade a vossos campos e enriqueci a vossos filhos; do pouco bem que fizestes, dei-vos toda a recompensa que podíeis esperar. Por outro lado vos dirá Jesus, vossos pecados vivem ainda, viverão eternamente adiante de Mim; ide malditos, ao fogo eterno, preparado para todos os que me desprezaram durante sua vida.

II - Sentença terrível, mas infinitamente justa. Que coisa mais justa, na verdade, para o pecador que assegurava que tudo se acabava com a morte? Vês agora seu desespero? Ouvis como confessam sua impiedade? Como clamam misericórdia? Mas agora tudo está acabado; o inferno é vossa herança. Vês a esse orgulhoso que escarnecia e desprezava a todo mundo? O vê abismado em seu coração, condenado por uma eternidade sob os pés dos demônios? Vês a esse incrédulo que dizia que não há Deus nem inferno? O vê confessar à face de todo o universo que há um Deus que lhe julga e um inferno onde vai ser precipitado para jamais sairá dele? Verdade é que Deus dará a todos os pecadores liberdade de apresentar suas razões e desculpas para justificar-se, se é que podem. Mas, Ai! Que poderá dizer um criminoso que não vê em si mesmo senão crime e ingratidão? Ai! Tudo o que o pecador possa dizer naquele momento infeliz só servirá para mostrar mais e mais sua impiedade e sua ingratidão.

Eis aqui, sem dúvida, Filhos meus, o que haverá de mais espantoso naquele terrível momento: será quando vir-mos que Deus nada perdoou para salvar-nos; que nos fez participantes dos méritos infinitos de sua morte na cruz; que nos fez nascer no seio de sua Igreja; que nos deu pastores para mostrar-nos e ensinar-nos tudo o que devíamos fazer para ser felizes. Deu-nos os Sacramentos para fazer-nos recobrar sua amizade quantas vezes havíamos perdido; não pôs limite ao número de pecados que queria perdoar-nos; se nossa conversão tivesse sido sincera, estaríamos seguros de nosso perdão. Esperou-nos anos inteiros, por mais do que nós não vivêssemos senão para ultrajar-lhe; não queria perder-nos, melhor digo, queria em absoluto salvar-nos; E nós não quisemos! Nós mesmos lhe forçamos por nossos pecados a lançar contra nós sentença de eterna condenação: Ide, filhos malditos, ide reunir-vos com aquele a quem imitastes; por minha parte, não vos reconheço senão para esmagar-vos com todos os furores de mim cólera eterna.

Venham, diz-nos o Senhor por um de seus profetas, venham, homens, mulheres, ricos e pobres, pecadores, quem quer que sejais, seja qual for vosso estado e condição, dizei todos, dizei vossas razões, e eu direi as minhas. Entremos no juízo, pesemos tudo com o peso do santuário. Terrível momento para um pecador, que, por qualquer lado que considere sua vida, não vê mais do que pecado, do que algo bom. Deus meu! Que será dele! Neste mundo, o pecador sempre encontra desculpas para alegar por todos os pecados que cometeu; leva seu orgulho até mesmo ao tribunal; da penitência, onde não devia comparecer senão para acusar-se e condenar-se a si mesmo. Algumas vezes, a ignorância; outras, as tentações demasiadas violentas; outras, enfim, as ocasiões e os maus exemplos: tais são as razões que, todos os dias, estão dando os pecadores para encobrir a grandiosidade de seus crimes.

Venham, pecadores orgulhosos, vejamos se vossas desculpas serão bem recebidas no dia do juízo; explicai-vos a frente daquele que tem a tocha na mão, e que tudo viu tudo contou e tudo pesou.

Não sabia — dirá — que aquilo era pecado! Ah, infeliz! Dirá-te Jesus Cristo: se tivesses nascido no meio das nações idólatras, que jamais ouviram falar do verdadeiro Deus, poderia ter alguma desculpa de tua ignorância; mas tu, cristão, que tiveste a felicidade de nascer no seio de minha Igreja, de crescer no centro da luz, tu que a cada instante ouvias falar da eterna felicidade? Desde tua infância te ensinaram o que devias fazer para procura - lá; e tu, a quem jamais cessaram de instruir, de exortar e de repreender, atreves-te ainda a desculpar-se de ignorância? Infeliz! Se vivestes na ignorância, foi simplesmente porque não quiseste instruir-te, porque não quiseste aproveitar-te das instruções, ou fugistes delas. Veja infeliz, veja! Tuas desculpas só servem para fazer-te mais digno ainda de maldição! Veja filho maldito, ao inferno, a arder nele com tua ignorância.

Mas — dirá outro — é que minhas paixões eram muito violentas e minha debilidade muito grande. Mas — lhe dirá o Senhor — já que Deus era tão bom e te fazia conhecer tuas debilidades, já que teus pastores te advertiam que devias velar continuamente sobre ti mesmo e mortificar-te, para dominá-las, por que fazias tu precisamente tudo o contrário? Por que tanto cuidado em contentar teu corpo e teus gostos? Deus te fazia conhecer tua fraqueza, e tu caías a cada instante? Por que, pois, não recorrer a Deus em busca de sua graça? Por que não escutar a teus pastores que não cessavam de exortar-te a pedir as graças e as forças necessárias para vencer ao demônio? Por que tanta indiferença e desprezo pelos Sacramentos, onde tivestes achado abundância de graça e de força para fazer o bem e evitar o mau? Por que tão freqüente desprezo da palavra de Deus, que te havias guiado pelo caminho que devias seguir para chegar a Ele? Pecadores ingratos e cegos! Todos estes bens estavam a vossa disposição; deles podíeis servir-vos como tantos outros se serviram. Que fizeste para impedir tua queda no pecado? Não oraste senão por rotina ou por costume.

Veja infeliz! Quanto mais conhecias tua fraqueza, tanto mais devias ter recorrido a Deus, que haver-te-ia sustentado e ajudado na obra de tua salvação. Veja maldito, por ela te fazes ainda mais criminoso.

Mas, as ocasiões de pecar são tantas! — dirá ainda outro. — Amigo meu, três classes conheço de ocasiões que podem conduzir-nos ao pecado. Todos os estados têm seus perigos. Três classes há, digo, de ocasiões: aquelas às quais estamos necessariamente expostos pelos deveres de nosso estado, aquelas com as quais tropeçamos sem procurá-las, e aquelas nas quais nos prendemos sem necessidade. Se as ocasiões às quais nos expomos sem necessidade não têm de servir-nos de desculpa, não tratemos de desculpar um pecado com outro pecado. Ouvistes cantar — digo — uma má canção; Ouvistes uma maledicência ou uma calúnia; mas por que freqüentavas aquela casa ou aquela companhia? Por que ocupavas com aquelas pessoas sem religião? Não sabias que quem se expõe ao perigo é culpado e nele perecerá? O que cai sem ter-se exposto, em seguida se levanta, e sua queda lhe faz ainda mais vigilante e prevenido. Mas não vês que Deus, que nos prometeu seu socorro em nossas tentações, não nos há prometido para o caso em que nós mesmos tenhamos a temeridade de expor-nos a elas? Veja desgraçado, procuraste a maneira de perder-te a ti mesmo; mereces o inferno que está reservado aos pecadores como tu.

Mas —dirás— é que continuamente temos maus exemplos frente aos olhos. Maus exemplos? Frívola desculpa. Se há maus exemplos, não os há talvez também bons? Por que, pois, não seguir os bons, que é melhor do que os maus? Vias a uma jovem ir ao templo, aproximar-se à sagrada Mesa; por que não seguias a esta, melhor do que à outra que ia ao baile? Vias aquele jovem piedoso entrar na igreja para adorar a Jesus no Sacrário; por que não seguias seus passos, melhor do que outros que iam à taberna? Digo antes, pecador, que preferiste seguir o caminho largo, que te conduziu à infelicidade no qual agora te encontras o caminho que te tinha traçado o mesmo Filho de Deus. A verdadeira causa de tuas quedas e de tua reprovação não está, pois, nem nos maus exemplos, nem nas ocasiões, nem em tua própria fraqueza, nem na falta de graças e auxílios; está somente nas más disposições de teu coração que tu não quiseste reprimir.

Fizestes o mau, foi porque quiseste. Tua ruína vem unicamente de ti.

Mas —replicarás ainda— se tivesses dito sempre que Deus era tão bom! Deus é bom, não há dúvida; mas é também justo. Sua bondade e sua misericórdia passaram já para ti; não te fica mais do que sua justiça e sua vingança. Ai, Filhos meus! Com tanta repugnância como agora sentir-nos em confessar-nos, se, cinco minutos antes daquele grande dia, Deus nos concedesse sacerdotes para confessar nossos pecados, para que se nos apagassem, Ah! Com que diligência nós aproveitaríamos desta graça! Mas ai! Que isto não nos será concedido naquele momento de desespero. Bem mais prudente do que nós foi o Rei Bogoris. Instruído por um missionário na religião católica, mas cativo ainda dos falsos prazeres do mundo. Tendo chamado a um pintor cristão para que lhe pintasse, em seu palácio, a caça mais horrível de bestas ferozes. Este, ao contrário, por disposição da divina providência, pintou-lhe o juízo final, o mundo ardendo em chamas, Jesus Cristo no meio de raios e relâmpagos, o inferno aberto já para engolir aos condenados, com tão espantosas figuras que o rei ficou imóvel. Voltando a si, recordou-se do que o missionário lhe tinha ensinado para que aprendesse a evitar os horrores. Daquele momento no qual não caberá ao pecador outra sorte que o desespero; e renunciando, ao instante, a todos seus prazeres, passou o restante de sua vida no arrependimento e as lágrimas.

Se este príncipe não se tivesse convertido, teria chegado igualmente para ele a morte; teria demorado um pouco mais, é verdade, em deixar todos seus bens e seus prazeres; mas, ao morrer, ainda que tivesse vivido séculos, teriam passado a outros, e ele estaria no inferno ardendo para sempre; enquanto agora se acha no céu, por uma eternidade, esperando aquele grande dia, contente de ver que todos seus pecados lhe foram perdoados e que jamais voltarão a aparecer, nem aos olhos de Deus, nem aos olhos dos homens.

Foi este pensamento bem meditado o qual levou São Jerônimo a tratar seu corpo com tanto rigor e a derramar tantas lágrimas. Ah! —exclamava ele naquela vasta solidão - parece-me que ouço, a cada instante, aquela trombeta, que tem de acordar a todos os mortos, chamando-me ao tribunal de meu Juiz. Este mesmo pensamento fazia tremer a David em seu trono, e a Santo Agostinho no meio de seus prazeres, apesar de todos seus esforços por apagar esta idéia de que um dia seria julgado. Dizia, de tempo em tempo, a seu amigo Alípio: Ah, amigo querido! Dia virá em que compareçamos todos ante o tribunal de Deus para receber a recompensa do bem ou o castigo do mal que tenhamos feito durante nossa vida; deixemos-nos, amigo meu — lhe dizia — o caminho do crime por aquele o qual seguiram todos os santos. Preparemos-nos, desde este momento, para esse grande dia.

Refere São João Clímaco que um solitário deixou seu mosteiro para passar a outro com o fim de fazer maior penitência. A primeira noite foi enviado ao tribunal de Deus, quem lhe manifestou que era devedor, para com sua justiça, diante de cem libras de ouro. Ah, Senhor! —exclamou ele - que posso fazer para paga-las? Permaneceu três anos naquele mosteiro, permitindo Deus que fosse desprezado e maltratado de todos os demais, até ao extremo de que ninguém parecia poder-lhe sofrer. Aparecendo-lhe Nosso Senhor pela segunda vez, dizendo-lhe que ainda não tinha pagado mais do que a quarta parte de sua dívida. Ah, Senhor! —exclamou ele - que devo, pois, fazer para justificar-me? Fingiu-se louco durante treze anos, e faziam dele tudo o que queriam; tratavam-lhe duramente, como se fosse um animal. Aparacendo-lhe pela terceira vez o Senhor, dizendo-lhe que tinha pagado a metade. Ah, Senhor! —respondeu ele - já que eu o quis, é preciso que eu sofra para satisfazer a vossa justiça. Oh, Deus meu! Não espereis castigar meus pecados depois do juízo. Conta o mesmo São João Clímaco outro fato que faz estremecer.

Tinha -disse- um solitário que levava já quarenta anos chorando seus pecados no fundo de uma selva. A véspera de sua morte, abrindo inesperadamente os olhos, fora de si, olhando á direita e a esquerda de sua cama, como se visse a alguém que lhe pedia conta de sua vida, respondia com voz trêmula: Sim, cometi este pecado, mas o confessei e fiz penitência dele anos e anos, até que Deus me perdoou. Também cometeste tal outro pecado, dizia-lhe a voz. Não —respondeu o solitário— esse nunca eis cometido. Antes de morrer, se lhe ouviu exclamar: Deus meu, Deus meu! Tirai, tirai, peço-vos, meus pecados de frente de meus olhos, porque não posso suportar sua vista. Ai! Que vai a ser de nós, se o demônio joga no nosso rosto ainda os pecados que não se cometeram cobertos como estamos de culpas reais e das quais não fez penitência? Ah! Por que adiar para aquele terrível momento? Se mal os santos estão seguros, que vai ser de nós?

Que devemos concluir de tudo isto, Filhos meus? Temos de concluir que é necessário não perder jamais de vista que um dia seremos julgados sem misericórdia, e que nossos pecados se manifestarão à vista do universo inteiro; e que, depois deste juízo, se nos achamos culpados destes pecados, iremos chorá-los nos infernos, sem poder apagá-los, nem esquecê-los. Tão cegos somos, Filhos meus, se não nos aproveitamos do pouco tempo que nos fica de vida para assegurar-nos o céu! Se somos pecadores, tenhamos agora esperança de perdão; ao passo que, se aguardamos então, não nos ficará já recurso algum. Deus meu! Daí-me a graça de que nunca me esqueça de tão terrível momento, em especial quando me veja tentado, para não sucumbir; a fim de que naquele dia possamos ouvir, sair da boca do Salvador, estas doces palavras: «Vinde benditos de meu Pai, a possuir o reino que vos está preparado desde o começo do mundo. » e esta é a graça que reservei."


(São João Batista Maria Vianney, presbítero. Sermão para o I Domingo do Advento)