quinta-feira, 26 de abril de 2012

512 anos: Uma Errata sobre a 1ª Missa no Brasil


Quase todos nós ao ouvirmos falar da primeira Missa celebrada em território brasileiro imediatamente trazemos à nossa mente a imagem imortalizada pela tela de Victor Meirelles de 1860 e atualmente exposta no Museu de Belas Artes do Rio de Janeiro. A pintura, de estilo romântico, representa os indígenas e portugueses assistindo a uma Missa celebrada pelo Frei Henrique de Coimbra, acolitado por um outro frade, diante de uma grande cruz de madeira armada junto do altar da celebração. Por ocasião dos 512 anos da celebração da primeira missa no Brasil, comemorado hoje, dia 26 de abril de 2012, essa imagem está sendo compartilhada nas redes sociais para relembrar o evento. Contudo, a tela de Meirelles retrata na verdade, a segunda Missa no Brasil, celebrada dia 1º de maio. Como assim?!
No dia 26 de abril de 1500, os portugueses celebraram a primeira missa no Brasil, mas na ilha da Coroa Vermelha, uma ilhota que já não existe mais. Era Domingo da Oitava de Páscoa, e a Missa foi celebrada de forma cantada, sobre um altar montada debaixo de um dossel, assistida por cerca de 1000 homens da esquadra de Pedro Álvarez Cabral. Na praia do continente, cerca de 200 indígenas acompanhavam de longe a cerimônia. 

"Ao domingo de Pascoela pela manhã, determinou o Capitão ir ouvir missa e sermão naquele ilhéu. E mandou a todos os capitães que se arranjassem nos batéis e fossem com ele. E assim foi feito. Mandou armar um pavilhão naquele ilhéu, e dentro levantar um altar mui bem arranjado. E ali com todos nós outros fez dizer missa, a qual disse o padre frei Henrique, em voz entoada, e oficiada com aquela mesma voz pelos outros padres e sacerdotes que todos assistiram, a qual missa, segundo meu parecer, foi ouvida por todos com muito prazer e devoção. 
Ali estava com o Capitão a bandeira de Cristo, com que saíra de Belém, a qual esteve sempre bem alta, da parte do Evangelho.
Acabada a missa, desvestiu-se o padre e subiu a uma cadeira alta; e nós todos lançados por essa areia. E pregou uma solene e proveitosa pregação, da história evangélica; e no fim tratou da nossa vida, e do achamento desta terra, referindo-se à Cruz, sob cuja obediência viemos, que veio muito a propósito, e fez muita devoção.
Enquanto assistimos à missa e ao sermão, estaria na praia outra tanta gente, pouco mais ou menos, como a de ontem, com seus arcos e setas, e andava folgando. E olhando-nos, sentaram. E depois de acabada a missa, quando nós sentados atendíamos a pregação, levantaram-se muitos deles e tangeram corno ou buzina e começaram a saltar e dançar um pedaço. E alguns deles se metiam em almadias -- duas ou três que lá tinham -- as quais não são feitas como as que eu vi; apenas são três traves, atadas juntas. E ali se metiam quatro ou cinco, ou esses que queriam, não se afastando quase nada da terra, só até onde podiam tomar
pé.
Acabada a pregação encaminhou-se o Capitão, com todos nós, para os batéis, com nossa bandeira alta."(Carta de Pero Vaz de Caminha a El-Rey Dom Manuel I de Portugal, Porto Seguro, 1º de maio de 1500. Os grifos são meus)

O motivo desta celebração ter sido mais afastada foi provavelmente de que o caítão não se sentia seguro de mandar celebtrar a liturgia no continente por ainda não ter contatos suficientes com os nativos da terra.
Foi só na sexta-feira, 1º de maio, que o Frei Henrique de Coimbra celebrou Missa solene diante da cruz de madeira plantada na terra da praia de Porto Seguro, a qual assistiu toda a esquadra e uma grande quantidade de indígenas que se juntaram para observarem a cerimônia.

"E hoje que é sexta-feira, primeiro dia de maio, pela manhã, saímos em terra com nossa bandeira; e fomos desembarcar acima do rio, contra o sul onde nos pareceu que seria melhor arvorar a cruz, para melhor ser vista. E ali marcou o Capitão o sítio onde haviam de fazer a cova para a fincar. E enquanto a iam abrindo, ele com todos nós outros fomos pela cruz, rio abaixo onde ela estava. E com os religiosos e sacerdotes que cantavam, à frente, fomos trazendo-a dali, a modo de procissão. Eram já aí quantidade deles, uns setenta ou oitenta; e quando nos assim viram chegar, alguns se foram meter debaixo dela, ajudar-nos. Passamos o rio, ao longo da praia; e fomos colocá-la onde havia de ficar, que será obra de dois tiros de besta do rio. Andando-se ali nisto, viriam bem cento cinqüenta, ou mais. Plantada a cruz, com as armas e a divisa de Vossa Alteza, que primeiro lhe haviam pregado, armaram altar ao pé dela. Ali disse missa o padre frei Henrique, a qual foi cantada e oficiada por esses já ditos. Ali estiveram conosco, a ela, perto de cinqüenta ou sessenta deles, assentados todos de joelho assim como nós. E quando se veio ao Evangelho, que nos erguemos todos em pé, com as mãos levantadas, eles se levantaram conosco, e alçaram as mãos, estando assim até se chegar ao fim; e então tornaram-se a assentar, como nós. E quando levantaram a Deus, que nos pusemos de joelhos, eles se puseram assim como nós estávamos, com as mãos levantadas, e em tal maneira sossegados que certifico a Vossa Alteza que nos fez muita devoção.
Estiveram assim conosco até acabada a comunhão; e depois da comunhão, comungaram esses religiosos e sacerdotes; e o Capitão com alguns de nós outros. E alguns deles, por o Sol ser grande, levantaram-se enquanto estávamos comungando, e outros estiveram e ficaram. Um deles, homem de cinqüenta ou cinqüenta e cinco anos, se conservou ali com aqueles que ficaram. Esse, enquanto assim estávamos, juntava aqueles que ali tinham ficado, e ainda chamava outros. E andando assim entre eles, falando-lhes, acenou com o dedo para o altar, e depois mostrou com o dedo para o céu, como se lhes dissesse alguma coisa de bem; e nós assim o tomamos!
Acabada a missa, tirou o padre a vestimenta de cima, e ficou na alva; e assim se subiu, junto ao altar, em uma cadeira; e ali nos pregou o Evangelho e dos Apóstolos cujo é o dia, tratando no fim da pregação desse vosso prosseguimento tão santo e virtuoso, que nos causou mais devoção.
Esses que estiveram sempre à pregação estavam assim como nós olhando para ele. E aquele que digo, chamava alguns, que viessem ali. Alguns vinham e outros iam-se; e acabada a pregação, trazia Nicolau Coelho muitas cruzes de estanho com crucifixos, que lhe ficaram ainda da outra vinda. E houveram por bem que lançassem a cada um sua ao pescoço. Por essa causa se assentou o padre frei Henrique ao pé da cruz; e ali lançava a sua a todos -- um a um -- ao pescoço, atada em um fio, fazendo-lha primeiro beijar e levantar as mãos. Vinham a isso muitos; e lançavam-nas todas, que seriam obra de quarenta ou cinqüenta. E isto acabado -- era já bem uma hora depois do meio dia -- viemos às naus a comer, onde o Capitão trouxe consigo aquele mesmo que fez aos outros aquele gesto para o altar e para o céu, (e um seu irmão com ele). A aquele fez muita honra e deu-lhe uma camisa mourisca; e ao outro uma camisa destoutras.
E segundo o que a mim e a todos pareceu, esta gente, não lhes falece outra coisa para ser toda cristã, do que entenderem-nos, porque assim tomavam aquilo que nos viam fazer como nós mesmos; por onde pareceu a todos que nenhuma idolatria nem adoração têm. E bem creio que, se Vossa Alteza aqui mandar quem entre eles mais devagar ande, que todos serão tornados e convertidos ao desejo de Vossa Alteza. E por isso, se alguém vier, não deixe logo de vir clérigo para os batizar; porque já então terão mais conhecimentos de nossa fé, pelos dois degredados que aqui entre eles ficam, os quais hoje também comungaram.
Entre todos estes que hoje vieram não veio mais que uma mulher, moça, a qual esteve sempre à missa, à qual deram um pano com que se cobrisse; e puseram-lho em volta dela. Todavia, ao sentar-se, não se lembrava de o estender muito para se cobrir. Assim, Senhor, a inocência desta gente é tal que a de Adão não seria maior -- com respeito ao pudor. Ora veja Vossa Alteza quem em tal inocência vive se se convertera, ou não, se lhe ensinarem o que pertence à sua salvação.
Acabado isto, fomos perante eles beijar a cruz. E despedimo-nos e fomos comer." (Carta de Pero Vaz de Caminha)

Fica assim, desfeito o engano. A primeira missa no Brasil foi celebrada em um Domingo, dia 26 de abril, na ilhota da Coroa Vermelha. O que Victor Meirelles representou em seu quadro de 1860 é a primeira Missa celebrada em terras continentais do Brasil, na sexta-feira, 1º de maio de 1500. Nada disso, contudo, anula a memória deste dia, em que comemoramos a primeira Missa celebrada em terras brasileiras, onde por singular graça e sagrado privilégio, nossa Pátria nasceu sendo oferecida a Deus junto com o Santo Sacrifício de Seu Filho e Senhor Nosso, Jesus Cristo.
Brasil: Terra de Santa Cruz!

SAIBA MAIS:
KUHNEN, Alceu. As Origens da Igreja no Brasil: 1500 a 1552.Bauru, EDUSC, 2005.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Aniversário de 7 anos de pontificado de Bento XVI!

Há 7 anos atrás, em 19 de abril de 2005, a Cristandade rejubilava com a fumaça branca da Capela Sistina e as palavras pronunciadas pelo Cardeal decano, Jorge Arturo Medina Estévez: "Anuncio-vos com grande alegria; já temos o Papa: O Eminentíssimo e Reverendíssimo senhor Dom Josef Cardeal da Santa Igreja Romana, Ratzinger que adotou o nome de Bento XVI!" O anúncio foi seguido pela aparição do tímido Pontífice, já com o solidéu branco e a estola papal, que pronunciou um breve e célebre discurso:

"Amados Irmãos e Irmãs,
Depois do grande Papa João Paulo II, os Senhores Cardeais elegeram-me, simples e humilde trabalhador na vinha do Senhor.
Consola-me saber que o Senhor sabe trabalhar e agir também com instrumentos insuficientes. E, sobretudo, recomendo-me às vossas orações.
Na alegria do Senhor Ressuscitado, confiantes na sua ajuda permanente, vamos em frente. O Senhor ajudar-nos-á. Maria, sua Mãe Santíssima, está connosco. Obrigado!"

Como recordar é viver, segue abaixo o vídeo deste maravilhoso momento de alegria para a Igreja que hoje celebramos. Rezemos hoje de forma especial por nosso querido Papa para que Deus lhe dê a fortaleza, sabedoria e prudência necessária para apascentar o rebanho de Cristo!




quarta-feira, 18 de abril de 2012

Pode a História ensinar-nos algo?

Historia magistra vitae - "História, mestra da vida" - disse o famoso orador e homem público da antiga República Romana, Marco Túlio Cícero (De oratore, II, 9). Essa frase resume uma concepção muito cara aos antigos acerca do caráter propedêutico e exemplar da História humana. Tão forte era essa concepção, que o modo de escrever a História dos antigos gregos e romanos era o que Eric Auerbach denominou de estilo "retórico-moralista": os historiadores a partir de seu relato traçavam juízos acerca dos atos e dos indivíduos relatados. Contudo, esse modo de fazer História dos gregos e romanos levava em conta mais fatores políticos e a vida dos homens notáveis da sociedade. Com as mudanças na historiografia ao longo de muitos séculos, a História passou a valorizar outros aspectos da sociedade (como o quotidiano, outros grupos sociais, práticas religiosas, hábitos culturais, etc) e cada vez mais ressaltou a imoportância dos contextos históricos de cada época, local e cultura. Até aqui, um resumo muito canhestro das mudanças na concepção de História (Historiografia nunca fora meu ponto forte nos tempos da faculdade de História...).
É verdade que os contextos culturais e as circunstâncias mudam frequentemente na História humana, entretanto, existem fatores que são comuns a todo ser humano, posto que possuímos a mesma natureza humana. Os homens que nos precederam foram de carne e osso como nós. Tinham as mesmas faculdades humanas do que nós: inteligência, vontade e sensibilidade. Em todas as épocas os seres humanos experimentaram o sofrimento, júbilo, os prazeres, os vícios e as virtudes... 
Certa vez ouvi na faculdade uma afirmação de que a História não poderia servir de exemplo, posto que, segundo o autor da afirmação, "ninguém aprende com os erros dos outros". É bem verdade que aprende-se muito mais fácil com a experiência própria, quando se experimenta as vicissitudes da vida na própria pele, mas é também verdade que podemos aprender com a experiência alheia, com os exemplos que nos são contados ou que vivenciamos, com os conselhos que nos dão. Trata-se, contudo, de um ato livre, responsável e consciente: percebermos e aceitarmos o ensinamento que a experiência alheia nos mostra. Isso é certamente mais difícil do que a experiência própria, pela qual aprendemos "na marra".
Certamente não podemos pelo simples ensino da História impedir que os homens repitam os erros do passado (muitas vezes julgando estarem fazendo uma grandiosa novidade...) ou repitam os feitos notáveis, mas podemos, individual e conscientemente, aprendermos com os exemplos de outras épocas (tendo o discernimento para compreender as eventuais diferenças contextuais e circunstanciais) tal como podemos aprender com a experiência que nos é transmitida por nossos familiares e pessoas próximas. Aliás, não é a História um grande conjunto de experiências pessoais? Não é a História Sacra narrada nas Escrituras um compêndio de bons e maus exemplos?

terça-feira, 17 de abril de 2012

Resumindo a Inquisição


Primeiramente é errado falar em "Inquisição" no singular, pois houveram diversas e distintas inquisições ao longo da história.

I- Os Padres da Igreja sempre defenderam que os hereges não deveriam ser mortos por serem hereges, por crerem diferente. De fato, no Império Romano cristão não haviam perseguições oficiais de morte aos hereges. Contudo, os grupos heréticos que atentassem contra a Ordem pública e social, sofriam as penas aplicadas pelo poder público. Nesse sentido que Santo Agostinho, bispo de Hipona, mesmo sendo contra a morte dos hereges, reconheceu necessária a execução do herege Prisciliano porque este perturbava a Ordem pública. No mais, os membros heréticos eram apenas afastados das igrejas e seus clérigos depostos de suas jurisdições e cargos.

II- É fundamentalmente a partir do século XI que surge na Cristandade ocidental as primeiras aplicações de penas de morte contra a heresia. Lê-se que nesse por volta dessa época o Rei Roberto I, o Piedoso, da França mandou queimar alguns indivíduos por causa de suas crenças heréticas. Por volta dessa época iniciam-se as investigações dos membros acusados de heresia. A existência ou não de heresia nos acusados competia à averiguação e juízo dos Bispos diocesanos, que tinham bastante autonomia nesses processos.

III- É também nesse século XI que surge no sul da França a heresia dos cátaros ou albigenses. Uma heresia que doutrinariamente pregava basicamente o dualismo maniqueísta: o Deus bom criara o espiritual e o Deus mal criara o material. Consequentemente rejeitavam a doutrina da Encarnação do Verbo de Deus e condenavam o matrimônio e a reprodução humana (haja vista que esta perpetuava a matéria). Os cátaros conseguiram grande influência sob a sociedade do sul da França, conseguindo mesmo reunir concílios e receber apoio de diversos senhores nobres locais, principalmente na passagem entre os séculos XII e XIII. Em 1184, o Papa Lúcio III emite o decreto Ad Aboldendam conclamando os príncipes seculares a combaterem os hereges em seus territórios. Após a tentativa de envio de missionários cistercienses e da conclamação de várias cruzadas contra os cátaros, o Papa Inocêncio III envia São Domingos de Guzmão e outros frades dominicanos como "inquisidores da fé". Estes realizariam o papel dos bispos no juízo e inquirição das heresias na qualidade de delegados representando o Papado. O Catarismo é um dos primeiros movimentos heréticos que assume uma natureza de contestação à ordem social, um dos primeiros movimentos de caráter notadamente violento entre os hereges. A Igreja via-se na necessidade de defender seu rebanho. Também os poderes seculares viam que era hora de agir com mais firmeza.

IV- Em 1231, o Papa Gregório IX instituiu oficialmente o Tribunal da Santa Inquisição, institucionalizando, organizando e regulamentando o esquema de tribunais eclesiásticos formados por delegados papais como havia instituído Inocêncio III anteriormente.

V- A Inquisição tratava-se de um tribunal eclesiástico, composto por clérigos e religiosos (embora em alguns períodos tenham havido inqusidores leigos também) com jurisdição unicamente sobre os batizados católicos. Buscava investigar casos de heresia dentro da Igreja, principalmente os heresiarcas (hereges que difundiam e propagavam suas heresias). Tratava de impor as penas espirituais (penitências, excomunhões, interditos), enquanto nos casos mais graves entregava os réus ao braço secular que aplicava as penas físicas e materiais (confisco de bens, demolição da casa ou morte). O esquema montado pelo tribunal era centrado na busca da confissão do réu e seu arrependimento, contrário ao sistema mais comum nos meios seculares da época, onde havia o chamado "duelo judiciário" (as duas partes duelavam e a parte vencedora do dito duelo era automaticamente a vencedora da causa jurídica). Mesmo com a autorização do uso da tortura (feita por pessoas enviadas pelas autoridades seculares) pelo Papa Inocêncio IV na bula Ad Extirpanda, esta era limitada em seu tempo e em suas formas (proibia-se mutilações, fraturas e derramamento de sangue), obrigando também sempre a presença de um médico nas sessões. Mesmo assim, o método mais utilizado para obter a confissão dos réus era o interrogatório (os manuais de inqusidores ensinavam a obter confissões apenas mediante o desenrolar da conversa com o réu).

VI- Os teólogos justificavam a utilização de penas físicas aos hereges não em virtude de suas crenças (pois a Igreja sempre considerou que não se pode converter à força), mas em virtude do perigo de que eles levassem outros a crerem em suas heresias (vide a argumentação de São Tomás de Aquino) e também em virtude de suas ações violentas de perturbação da ordem, o que dava ao poder secular pleno direito de agir.

VII- A Inquisição não autou em toda a Europa na Idade Média. Sua ação limitou-se mais à França, Itália, Sacro Império Romano (Alemanha, Áustria, Bohemia, etc) e Aragão. No final do século XV, o rei Fernando II de Aragão (que havia unido seu reino aos reinos de Castela e Leão mediante seu matrimônio com a rainha castelhana Isabel I) conseguiu do Papa Sixto IV a instituição de um Tribunal inquisitorial no restante da Espanha. Este era chefiado por um Inquisidor-geral, nomeado geralmente pelo rei (lembrando que a Inquisição papal tinha seu próprio Inquisidor-mor, nomeado pelo papa). Em Portugal, no século XVI, o rei D. João III obteu semelhante instituição em Portugal. Estes dois tribunais mais tarde acabaram se transformando em instrumentos de favorecimento do Absolutismo de seus monarcas, desviando-se do fim original.

VIII- Com o Concílio de Trento em fins do século XVI, o Papado reorganizou a Inquisição papal, agora chamado de Tribunal do Santo Ofício. Mesmo após o abandono dos poderes seculares na ação inquisitorial (e a abolição das inquisições em Portugal e Espanha no século XIX), o Santo Ofício continuou trabalhando na defesa da ortodoxia católica, estabelecendo as sanções e penas espirituais, mas agora não era mais um tribunal eclesiástico, mas um discatério da Cúria Romana. Paulo VI mudou o nome desse discatério para Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé.

IX- Devemos por fim entender a Inquisição dentro de seu contexto histórico (e não estou defendendo o erro historicista, pois falo no âmbito da práxis e não no âmbito doutrinário). A Inquisição foi uma ação conjunta da Igreja e dos poderes seculares (em o que hoje entenderíamos por Estados confessionais, frise-se) na tentativa de conter o avanço das heresias entre os membros da Igreja e de combater os movimentos heréticos de caráter violento. Foi pois uma tentativa de defender a fé e preservar a ordem pública, entendida dentro das ações e mentalidades próprias àquele contexto.
Certo é porém, que a Igreja nunca ensinou que se devesse converter as pessoas pela força (embora alguns príncipes cristãos o tenham feito - se por zelo desmedido ou interesses desonestos, não o sabemos). A Igreja não erra ao ensinar sobre fé ou moral, mas seus membros erram muitas vezes. Os papas sempre combateram os abusos dos maus inquisidores (pois houveram também inquisidores santos) e recentemente o Papa João Paulo II pediu perdão pelos erros dos membros da Igreja cometidos ao longo da História.
A Inquisição foi algo necessário para seu tempo, mas não encaixa-se mais (ao menos com era feita e estruturada na época) para os tempos atuais. Pois, embora as verdades de fé sejam imutáveis, a ação pastoral da Igreja muda conforme os tempos, lugares e necessidades. A pastoral preconizada pelo Concílio Vaticano II visa trazer os homens à verdade à unidade católica mediante o diálogo, embora continue admitindo-se o combate aqueles movimentos sectários e religiosos que ameaçem o convívio e a paz social, como os fanatismos e terrorismos.

Bibliografia consultada:
FALBEL, Nachman. Heresias Medievais. São Paulo: Perspectiva, 2005.
GONZAGA, João Bernardino. A Inquisição em seu Mundo. São Paulo: Saraiva, 1993.

sábado, 14 de abril de 2012

A juventude é um tempo de treinamento!


“Nós – que, por graça de Deus, somos católicos – não devemos gastar os anos mais belos de nossas vidas como desgraçadamente fazem tantos jovens infelizes que se preocupam com gozar os bens terrenos  e não produzem nada de bom, mas que apenas fazem frutificar a imoralidade da nossa sociedade moderna. Devemos treinar-nos, a fim de estarmos prontos para travar as lutas que, seguramente, teremos de combater pela realização de nosso programa e para assim darmos à nossa Pátria, num futuro não muito longínquo, dias mais alegres e uma sociedade moralmente sã. Mas para tudo isso é preciso : a oração contínua para obter de Deus a graça sem a qual as nossas forças são vãs; organização e disciplina para estarmos prontos para a ação no momento oportuno e, finalmente, o sacrifício das nossas paixões e de nós mesmos, porque sem isso não se pode atingir o objetivo.” (Extraído das cartas do Beato Pier Giorgio Frassati, 1901-1925)

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Jovens devem sair do isolamento


"Os jovens devem sair de seu isolamento, devem buscar o contato com outros jovens que trabalham e lutam por reivindicar os direitos de Deus e do homem. Não devem permanecer indiferentes diante das distintas agrupações formadas com o fim de dar o bem uma arma de caráter social, já que o mal a tem como muito poderosa. Agrupai-vos, jovens católicos! Avastai-vos do isolamento que degrada, que envelhece que mata, que leva indefectivelmente a derrota. Ide prontamente a organização [católica], pois assim vossos brilhos e vossas energias cresceram titânicamente, colosalmente e Cristo reinará apesar dos tiranos." (Beato Anacleto González Flores, 1888-1927, La juventude y la organización, 1919)

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Uma Homilia bem atual

Retirado do facebook de Victor Travancas (Rio de Janeiro -RJ): Homília do bispo Beato Clemens von Galen, no dia 3 de agosto de 1941, na catedral de Münster, denunciando a diretriz Aktion T4, um programa de eutanásia do governo nacional-socialista para matar, via eutanásia, todos aqueles que o governo via como incapazes e improdutivos – doentes mentais, idosos,... deficientes físicos e outros:
"Se você estabelece e aplica o princípio de que você pode matar seres humanos “improdutivos”, ai de nós todos quando nos tornarmos velhos e frágeis! Se a alguém é permitido matar os improdutivos, ai daqueles inválidos que se esgotaram, sacrificaram e perderam sua saúde e sua força no processo produtivo! Se alguém é forçosamente permitido a matar um ser humano improdutivo, ai de nossos soldados leais que voltam para a pátria-mãe seriamente feridos, como aleijados, como inválidos! Se é aceito que as pessoas têm o direito de matar homens “improdutivos” – ainda que, inicialmente, sejam os pobres e indefesos doentes mentais –, então, por questão de princípio, é permitido assassinar todas as pessoas improdutivas, ou, em outras palavras, os doentes incuráveis, aqueles que se tornaram inválidos no trabalho e na guerra, todos nós quando nos tornarmos velhos, frágeis e, portanto, improdutivos.

Assim, só será necessário a algum decreto secreto ordenar que o método desenvolvido para os doentes mentais seja ampliado para outras pessoas “improdutivas”, que deva ser aplicado àqueles que sofrem de alguma doença incurável dos pulmões, aos idosos que estão frágeis ou inválidos, aos soldados seriamente feridos. Então, nenhuma de nossas vidas estará mais segura. Alguma comissão poderá nos colocar na lista dos “improdutivos”, que, em sua opinião, tornaram-se indignos da vida. E nenhuma força policiais nos protegerá, e nenhum tribunal investigará nosso assassinato e dará ao assassino a punição que merece."

A hipocrisia como dever cívico

Ao julgar por essa frase, parece-me que o sr. ministro esquece uma verdade fundamental. As pessoas, as sensatas, ao menos, não pensam por "departamentos". Tomam suas decisões, pensam e agem, baseadas em todo o conjunto de convicções que lhes constituem como pessoas. Isso se chama integridade, coerência. Outro erro é confundir convicções com paixões, as paixões são volúveis, mudam conforme o momento. Convicção é o que se têm por certo, apesar das circunstâncias. Se os princípios religiosos são relegados ao quartinho da dispensa, então não é verdadeira liberdade de crença na sociedade.
Todos sabemos qual é o pretexto dessa frase: afastar os cristãos e especialmente a Igreja Católica do debate sobre o aborto dos anencéfalos. Como se cristãos não fossem cidadãos e como se a Igreja fosse proibida de se manifestar sobre temas que atingem também a ordem sócio-política, especialmente aqueles que envolvem moral e os dirietos fundamentais da pessoa humana.
A sentença do sr. Ministro Marco Aurélio de Mello é um apelo para que tenhamos duas caras: uma pública e uma privada. "Como cristão, pessoalmente, penso assim. Mas como pessoa pública, penso dessa forma." Ora, mas não era essa e definição clássica de hipocrisia?! Agora foi elevada à categoria de dever cívico!

terça-feira, 10 de abril de 2012

O joio e o trigo: metáfora da História humana


“Na realidade , a parábola [do joio e do trigo] pode ser tomada como chave de leitura para toda a história do homem. Com diverso sentido nas várias épocas, o «trigo» cresce juntamente com o «joio» e, vice-versa, o «joio» com o «trigo». A história da humanidade é o palco da coexistência do bem com o mal. Isto significa que, se o mal existe ao lado do bem, também o bem persevera ao lado do mal, e cresce” (Bem-aventurado João Paulo II, Papa, em seu livro Memória e identidade.)

domingo, 8 de abril de 2012

Páscoa: Passagem

Quando o Senhor libertou os hebreus da escravidão no Egito, prescreveu-lhes uma série de ritos para que celebrassem essa passagem, nome pela qual ficou conhecida a festa da libertação do povo judeu: a Páscoa. Esta Páscoa era notadamente muito importante na Antiga Aliança, haja vista que por meio do êxodo dos hebreus do Egito, eles puderam passar pelo deserto e chegar à Canaã, bem como selarem com Deus a Aliança através do Decálogo e da Lei mosaica. 


Essa importância, contudo, apontava para uma importância ainda maior: a Pácoa hebraica era uma prefiguração do mistério pascal de Cristo. Pela Sua Paixão e Morte, Cristo oferecera o Sacrifício pela nossa redenção, livrando-nos da escravidão do pecado, passando pela morte e vencendo-a pela Sua gloriosa Ressurreição. Assim, na Nova e Eterna Aliança, a Pácoa passou a significar uma passagem mais grandiosa: do pecado para a Graça, da morte para a vida.
Isto significa que para termos a Vida Eterna, precisamos libertar-nos do pecado por meio da morte e do sacrifício. Como? Morrendo para tudo o que nos afasta de Deus, morrendo para o egoísmo, a sensualidade, o orgulho... e isso com a Graça de Deus, recebida no Batsimo, quando somos unidos à morte de Cristo e à sua ressurreição, nascidos de novo como filhos adotivos de Deus.
A Páscoa, portanto, é quase que uma nova Criação. Deus criou tudo bom e de forma maravilhosa. Mas aquilo que o Antigo Inimigo deformou e desfigurou pela ação do pecado, a Graça de Cristo não somente restaurou à beleza e dignidade anterior, antes, a renovou. A Graça aperfeiçoou a natureza. Assim, celebremos esse Tempo Pascal com esse júbilo de ação de graças por todas as maravilhas operadas pela dextra do Senhor, que morrendo venceu a morte. Se morremos com Cristo, com ele viveremos. Que seja esse tempo para nós uma renovação na nossa vida. Que possamos passar da vida estéril de pecado para a vida frutífera de Cristo.

Alleluia! Christus resurgens a mortuis!

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Pilatos: o prepotente covarde

Pôncio Pilatos, nomeado governador da Judéia em 26 d.C.,  desprezava os judeus e seus costumes. Ao passo de que os governadores romanos anteriores buscaram respeitar a religião e as práticas judaicas, Pilatos provocava-os de forma deliberada. Introduziu estandartes com símbolos pagãos dentro dos muros de Jerusalém, colocou símbolos pagãos em moedas, etc. Pilatos via a Judéia como um potencial foco de revoltas e tumultos, e esse desprezo demonstra-se pelo fato de o governador romano residir na cidade portuária de Cesaréia e não em Jerusalém, para onde se deslocava somente nas grandes festas judaicas, por causa da grande presença de pessoas e aumento da possibilidade de tumultos.
A aparente coragem de Pilatos de provocar deliberadamente os judeus era, contudo, mera prepotência que escondia sua covardia. Temeroso de uma revolta, quando teve o dever de contrariar os chefes dos sacerdotes e os membros do Sinédrio e recusar-se a condenar Jesus mesmo após ter verificado inocência nEle, Pilatos cede com um ato vergonhoso: lava suas mãos. Como se dissesse "pessoalmente não tenho nada contra este homem, mas se vós tendes, é problema vosso". Lembra muito certos políticos em voga... "pessoalmente não sou a favor do aborto, mas se outras pessoas desejam fazê-lo, é direito delas". Um eufemismo para uma posição pusilâmine, nada mais. O prepotente Pilatos, que desafiara os costumes dos judeus e tentava impôr-lhes a veneração aos símbolos pagãos dos ídolos romanos, cedeu covardemente ao clamor da turba, aceitando sem discutir a falácia proferida pelos sacerdotes "se o libertas, és inimigo de César".
Por fim, lembremos do Evangelho da Quinta-Feira Santa... Jesus deu o exemplo de humildade e serviço, mesmo sendo investido de todo o poder. Pilatos, que detinha o poder em nome do Império na província da Judéia, agia de forma prepotente, tentando mostrar poder por carpicho pessoal e autoritário, mas não soube usar seu poder como serviço e como instrumento da justiça, tendo permitido, por sua covardia, que se cometesse a maior injustiça da História: a crucifixão do Filho de Deus.
Peçamos nesse dia a graça de sermos revestidos com a Fortaleza de Jesus Cristo, que suportou os suplícios da Cruz e animou os mártires a vencerem os tormentos.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Jesus: o Rei que serve



Jesus Cristo demonstrou diversas vezes sua humildade, aquela humildade tão formosamente cantada por São Paulo em sua Carta aos Filipenses. O episódio que lemos com a Igreja na tarde da Quinta-Feira Santa é especial nesse sentido. Ainda quando dirigia-se com os discípulos para Jerusalém e os preparava para as vicissitudes que se sucederiam na Cidade Santa, Jesus repreende os discípulos pelas disputas de vaidades entre eles ensinado a partir de Seu exemplo que a verdadeira grandeza reside em servir:

"Sabeis que os que são considerados chefes das nações dominam sobre elas e os seus intendentes exercem poder sobre elas. Entre vós, porém, não será assim: todo o que quiser tornar-se grande entre vós, seja o vosso servo; e todo o que entre vós quiser ser o primeiro, seja escravo de todos. Porque o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em redenção por muitos." (Mc 10, 42-45)

Na Ceia derradeira, às vésperas de sua Paixão, o Senhor explicitou o ensinamento sobre a grandeza do serviço, lavando os pés dos apóstolos, gesto que competia aos criados fazerem ao dono e aos convidados da casa: "Vós me chamais Mestre e Senhor, e dizeis bem, porque eu o sou. Logo, se eu, vosso Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar-vos os pés uns aos outros. Dei-vos o exemplo para que, como eu vos fiz, assim façais também vós." (Jo 13, 13-15)
Nisso, Cristo não está a abolir a hierarquia, nem os poderes, mas apenas lembrando que os mesmos existem para o serviço dos demais. Ao que Deus dá mais, espera-se que sirva aos que têm menos. Por isso Ele, que é o Rei do Universo, lava os pés daqueles que escolheu como seus colaboradores na missão de propagar o Evangelho. Este ato contudo, foi um prelúdio da sua entrega maior, seu Sacrifício Redentor, que Ele antecipa sacramentalmente naquela mesma Ceia, fazendo-se presente nas aparências frágeis do pão e do vinho. Jesus Cristo entregou-se pela humanidade até a última gota de seu sangue. Assim, o Rei por excelência ensina-nos a buscar não as grandezas exteriores, mas a verdadeira grandeza da entrega, do sacrifício e do serviço, da transcendência, do sair de si mesmo em direção ao próximo. Essa entrega se concretiza em Cristo no mistério eucarístico, quando, tendo se imolado ao Pai pela remissão dos pecadores, oferece-se aos homens como alimento.