quinta-feira, 12 de abril de 2012

A hipocrisia como dever cívico

Ao julgar por essa frase, parece-me que o sr. ministro esquece uma verdade fundamental. As pessoas, as sensatas, ao menos, não pensam por "departamentos". Tomam suas decisões, pensam e agem, baseadas em todo o conjunto de convicções que lhes constituem como pessoas. Isso se chama integridade, coerência. Outro erro é confundir convicções com paixões, as paixões são volúveis, mudam conforme o momento. Convicção é o que se têm por certo, apesar das circunstâncias. Se os princípios religiosos são relegados ao quartinho da dispensa, então não é verdadeira liberdade de crença na sociedade.
Todos sabemos qual é o pretexto dessa frase: afastar os cristãos e especialmente a Igreja Católica do debate sobre o aborto dos anencéfalos. Como se cristãos não fossem cidadãos e como se a Igreja fosse proibida de se manifestar sobre temas que atingem também a ordem sócio-política, especialmente aqueles que envolvem moral e os dirietos fundamentais da pessoa humana.
A sentença do sr. Ministro Marco Aurélio de Mello é um apelo para que tenhamos duas caras: uma pública e uma privada. "Como cristão, pessoalmente, penso assim. Mas como pessoa pública, penso dessa forma." Ora, mas não era essa e definição clássica de hipocrisia?! Agora foi elevada à categoria de dever cívico!

3 comentários:

  1. Caro Professor Rafael. Acabei lendo seu texto ao pesquisar sobre o tema. Achei de extrema importância sua posição. Lembro, inicialmente, que vivemos em uma nação democrática e todas as manifestações e entendimentos devem ser respeitados, por mais divergentes que sejam. Não sei se o Senhor acompanhou o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental que definiu o tão esperado tema da interrupção da gravidez em caso de fetos anencéfalos. Acredito que sim. Como sabemos, inúmeras audiências prévias foram feitas para que entidades (diversas) pudessem expor e defender suas posições sobre o caso, inclusive a Igreja Católica. No final, tivemos a decisão do nosso Tribunal de Superposição, o Supremo Tribunal Federal, pela possibilidade de interrupção da gravidez de fetos anencéfalos. O Ministro Marco Aurélio, ao fundamentar seu voto, e nesse tocante não posso concordar com o Senhor, sabiamente, defendeu a ideia geral de que a religião não pode interferir nas decisões do Estado. As paixões pessoais, sejam elas de qualquer credo, devem ficar distantes da esfera estatal. Não quis dizer o Ministro que o direito de manifestação dessas entidades seriam tolhidos, muito pelo contrário, apenas ressaltou o fato de que o livre convencimento do magistrado (Ministro), princípio decorrente da própria ordem constitucional, deve prevalecer sobre as influências de qualquer segmento. Seria caótico, exemplificando, do ponto de vista lógico e estrutural do Estado, que o Governo proibisse o uso de métodos contraceptivos ou de preservação contra doenças sexualmente transmissíveis, apenas para acatar as vontades de determinadas ideologias religiosas. Exatamente nesse contexto meramente exemplificativo é que a religião não deve interferir nas decisões estatais. Outra questão bastante complexa também reside no setor público, notadamente nas Assembleias Legislativas dos Estados, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Apenas para argumentar ao Senhor, na ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE GOIÁS, está vigorando o Projeto de Resolução de autoria do Deputado Estadual Daniel Messac (PSDB) já aprovado por aquela Casa que impõe a leitura de trechos da bíblia em todas as Sessões Ordinárias. Não há que se ler a Bíblia nem qualquer outra forma de crença, evangélica, budista, judaica, etc., durante Sessões em qualquer âmbito estatal. Também não há que se permitir que artistas evangélicos possam usar das Câmaras Estaduais, da Câmara Federal ou do Senado para promover seus hinos de louvores. Indubitavelmente tais práticas afrontam a nossa Constituição. O Estado deve promover o bem da nação e esta sim, escolher, livremente, já que pertencente a esfera privada do ser humano, a sua crença, conforme melhor lhe convier. Nossos Poderes, e aí temos que destacar o voto do Ilustre Ministro Marco Aurélio que luta para manter o verdadeiro espírito da Constituição, estão aos poucos sendo tomados por estes segmentos que deveriam se deter à esfera privada do indivíduo. Apenas para finalizar, gostaria de destacar brilhante decisão do Tribunal de Justiça aí do Estado onde o Senhor reside Professor, o Rio Grande do Sul, onde o Conselho da Magistratura do Tribunal determinou por unanimidade de votos a retirada dos crucifixos e símbolos religiosos presentes nos espaços públicos dos prédios da Justiça Gaúcha. O relator da matéria foi o Desembargador Cláudio Baldino Maciel, que afirmou em seu voto que o julgamento feito em uma sala de tribunal sob um expressivo símbolo de uma Igreja e de sua doutrina não parece a melhor forma de se mostrar o Estado-juiz equidistante dos valores em conflito. Argumentou: “Resguardar o espaço público do Judiciário para o uso somente de símbolos oficiais do Estado é o único caminho que responde aos princípios constitucionais republicanos de um estado laico, devendo ser vedada a manutenção dos crucifixos e outros símbolos religiosos em ambientes públicos dos prédios”. Peço vênia pelo alongado comentário e reforço, mais uma vez, meu profundo respeito por pensamentos divergentes.

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  2. Não acredito que o alvo sejam os cristãos ou a Igreja Católica. Imaginem se fossem eleitos diversos parlamentares convictos no hinduísmo. Poderia-se facilmente ser aprovada uma lei proibindo o consumo da carne de gado... Gerando desemprego do setor e privando os cristãos ou ateus de consumirem este produto simplesmente por uma convicção alheia. Desta forma "concepções religiosas não podem guias as decisões estatais" indiferente se a crença for cristã, hindu ou de qualquer outra opção que o cidadão livremente opte. É neste contexto que acredito que o Ministro adota a palavra paixão, tentando transparecer que a convicção de um é somente uma paixão para outra pessoa. Por mais que o consumo de carne bovina possa insultar crença hindu, este fato não choca um cristão por exemplo. Por isso da importância que, no estado laico, não sejam cometidos abusos com os cidadãos das diversas crenças ao nortear decisões coletivas do estado em alguma convicção pessoal. Ainda, imagino que uma pessoa sensata não só pode mas deve pensar por departamentos, aceitando e tentando imaginar a convicção de cada grupo da sociedade e não simplesmente impondo a sua convicção por intermédio dos poderes do estado ou de qualquer outra fonte de força.

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  3. A questão central no caso do aborto dos anencéfalos não é de crença mas sim acerca da verdade sobre a dignidade da vida humana. Não se trata de interferir na liberdade de quem quer abortar impondo crenças cristãs e sim de defender a liberdade e o direito à vida por parte da criança, não importa quanto tempo essa vida vá durar. É absurda por exemplo a defesa do infanticídio indígena em nome de um suposto respeito à liberdade alheia e à cultura indígena. Se depender da ideologia capenga que hoje domina a sociedade deveríamos por lei não condenar o canibalismo afinal não poderíamos impor nossas crenças aos canibais.

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