segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Por que o Natal fascina?

Não, não estou falando de luzes piscantes, de árvores, da profusão de vermelho que parece uma ressurreição da tintura têxtil flamenga quatrocentista, de lojas lotadas, nem nada disso. Falo do muitas vezes esquecido, mas igualmente majestoso, nascimento do Salvador do Mundo em Belém da Judéia. Bem o sabemos que não há ainda consenso entre os estudiosos sobre a data precisa do nascimento, desde que levantou-se a hipótese de erro de cálculos do monge Dionísio Esíguo, do século VI quando passou-se a datar os anos com base no nascimento de Jesus Cristo. Sabemos, contudo, que nasceu durante o período em que Otaviano César Augusto imperava sobre a orbe romana, no tempo em que Quirino governava a província da Síria sob as ordens de César, exercendo certa hegemonia sobre o reino da Judéia, cuja coroa a cingia Herodes, dito O Grande.
Depois de longas guerras civis, Roma vivia a Pax Romana. Sob o manto e a aparência da continuidade de funcionamento das antigas instituições republicanas, Otaviano César havia inaugurado um novo regime, o Principado, colocando-se acima das demais instituições e magistraturas na condição de Princeps, o primeiro dentre os cidadãos e o primeiro no Senado. Muitos viam na figura do César uma unidade capaz de garantir a unidade do mundo romano. É verdade que Otaviano conseguiu manter relativamente a paz durante seu império, mas essa paz provinda das armas e das legiões reorganizadas provou-se instável: o título de César passou a ser disputado com violência, da mesma forma que outrora disputava-se em fratricidas guerras civis o controle da magistratura consular ou a cadeira de Ditador.




Na Judeia, reinava Herodes que soube fazer o jogo político dos romanos para consolidar seu trono, de moldes bastante helenísticos. Apoiador do general Marco Antônio (rival de Otaviano, sobrinho do ditador Júlio César), Herodes não logrou trocar de lado por ocasião da derrota do aliado na Batalha do Ácio em 31 a.C., colocando sua diadema dourada aos pés do novo senhor de Roma, Otaviano. Herodes devia essa coroa ao poder romano, haja vista que fora com o apoio do Senado romano que fora proclamado rei da Judéia por Marco Antônio e Otaviano e com o auxílio das legiões romanas que esse general meio judeu e meio idumeu conseguiu tomar Jerusalém, destronando o último rei da dinastia judaica dos Asmoneus, controlado pelo rei dos Partos (dinastia reinante na Pérsia). Desta forma, Herodes carecia de legitimidade frente ao povo judeu, tanto devido à sua origem quanto à forma com que adquiriu seu poder. Ao passo que os precedentes reis asmoneus detinham junto ao poder régio o ofício de Sumo Sacerdotes do Templo de Jerusalém, Herodes reinava à maneira dos reis helenísticos, tal como os reis da dinastia selêucida, contra os quais os judeus haviam se rebelado um século antes devido à tentativa de imposição do culto greco pagão em detrimento do culto judaico. Herodes consolidou seu poder através da via militar, construindo grandes fortalezas em pontos estratégicos do reino, bem como organizando um exército inspirado dos moldes romanos e helenísticos, além do uso de mercenários de diversas regiões. Dessa forma entende-se o por quê Herodes temia tanto a vinda de outro rei: ele sabia bem que sua legitimidade era questionável. 
A verdade é que tanto Augusto quanto Herodes só detinham algum poder sobre a terra por desígnio da Divina Providência.
Quando já estava consolidado Otaviano como César e Roma e quando Herodes já reinava seus últimos anos na Judéia, nasceu em Belém o próprio Deus feito carne. Esquecido. Quase não foi notado. Nasceu em um estábulo de animais, sujeito ao frio, em meio ao odor dos excrementos de bovinos e eqüínos, ao mesmo tempo em que Augusto residia em sua suntuosa residência no monte Palatino e Herodes revezava-se entre seus luxuosos palácios de Jerusalém e Jericó. Contudo, esse Menino que nasce despojado é não somente o Senhor de toda a terra que o abriga e de todo o céu escuro que o encobre, mas tudo isso é igualmente obra Sua. O fascínio do Natal reside nesse fato: o frágil bebêzinho que dorme envolto em baixas timidamente protejendo-se do frio naquela improvisada cama de manjedoura onde se nutriam os animais é o próprio deus, cuja Glória cantam os anjos! Não nos comove o fato de vermos Deus, de quem nos sentimos tão distantes pela fragilidade e pequenez de nossa natureza decaída, bem como o peso de nossa inqüidade, tenha tomado a nossa natureza para nos salvar? Aqui Deus mostrou que a grandeza da Natureza humana, que criou para amá-Lo e estar sempre unido a Ele, não obstante tenha se perdido pelo pecado, foi restaurada de forma admirável quando o Filho de Deus se fez homem, assumindo a natureza humana desde o momento da concepção no ventre virginal de Maria. O Senhor nos deu uma lição de humildade com seu desapercebido nascimento.

Naquela noite derradeira, poucos tiveram conhecimento ou estiveram abertos para contemplarem a natividade do Salvador enquanto muitos tinha ciência de quem era Augusto e quem era Herodes. Mas muito mais do que as estátuas de César e as grandiosas obras arquitetônicas de Herodes, esse escondido episódio do estábulo de Belém multiplicou-se por séculos de Arte Sacra e os presépios ainda dominam em muitos lugares, muito embora muitas pessoas hoje em dia queiram proscrever os presépios por motivos muito menos nobres dos que foram provavelmente utilizados como desculpar para não darem hospedagem à Sagrada Família nos lares de Belém.
Felizes foram os pastores humildes que receberam a graça do anúncio do anjo e puderam contemplar a sublime visão do Deus Menino dormindo evolto em faixa, embalado pelo canto celeste dos coros angélicos! Felizes foram os magos que, mesmo distantes, souberam abrir-se à Verdade, reconhecendo e seguindo os sinais de Deus podendo também encontrar á Jesus e prestar-Lhe suas homenagens! Infeliz foi Otaviano, que faleceu sem saber que sob seu império começava a obra da Redenção! Infeliz foi Herodes que, mesmo sabendo da chegada do Salvador quis em sua soberba disputar o lugar com o próprio Deus!

Que tenhamos o exemplo dos pastores e dos magos e sabiamos nos abrir à Graça de Deus. Aproveitemos especialmente a Santa Missa para contemplarmos e nos unirmos a esse Jesus que se fez pequenino por nós em Belém. Quantos não suspirariam pela chance de estarem presentes naquela noite santa, diante daquela manjedoura?! Pois bem, vós estais diante do mesmo Jesus que se fez Menino, quando vos colocais diante da Eucaristia! Na Eucaristia está presente o mesmo Cristo, em Seu Corpo, Sangue, Alma e Divindade, que sentiu frio e chorou em Belém.
Pensemos também em renovarmos nossa defesa pela Dignidade Humana, dignidade essa que valeu a vinda do próprio Deus na carne. Que o Senhor, que nasceu rejeitado, nos ensine a sermos mais caridosos.
É verdade que continuam a haver maldades e injustiças no mundo, pois nem todos tiveram ainda a boa vontade de receber o Principe da Paz! Mas desde aquela noite em que Deus nasceu como um bebêzinho, o mundo nunca mais foi o mesmo. Que a beleza humilde e sublime desse acontecimento que essa noite celebramos nos inspire a sermos mais santos!

Sermão nº 23 de São Leão Magno sobre o Natal do Senhor


"Já muitas vezes, caríssimos, ouvistes falar e fostes instruídos a respeito do mistério da solenidade de hoje; porém, assim como a luz visível enche sempre de prazer os olhos sadios, também aos corações retos não cessa de causar regozijo a natividade do Senhor.

Jamais devemos deixá-la transcorrer em silêncio, embora não possamos condignamente explaná-la, pois aquela palavra: "a sua geração, quem a poderá explicar?"(Jo 53, 8) se refere certamente não só ao mistério pelo qual o Filho de Deus é co-eterno com o Pai, mas ainda a este nascimento em que "o Verbo se fez carne" (Jo 1, 14).

O Filho de Deus, que é Deus como seu Pai, que recebe do Pai sua mesma natureza, Criador e Senhor de tudo, que está presente em toda parte e transcende o universo inteiro, na seqüência dos tempos que, de sua providência dependem, escolheu para si este dia, a fim de, em prol da salvação do mundo, nele nascer da bem-aventurada Virgem Maria, conservando intacto o pudor de sua mãe. A virgindade de Maria não foi violada no parto, como não fora maculada na conceição, "a fim de que se cumprisse - diz o evangelista - o que foi pronunciado pelo Senhor, através do profeta Isaías: Eis que uma virgem conceberá no seu seio e dará à luz um filho, ao qual chamarão Emanuel, que quer dizer Deus conosco" (Mt 1, 23; Cf. Is 7, 14).

O admirável parto da sagrada Virgem trouxe à luz uma pessoa que, em sua unicidade, era verdadeiramente humana e verdadeiramente divina, já que as duas naturezas não conservaram suas propriedades de modo tal que se pudessem distinguir como duas pessoas: não foi apenas ao modo de um Habitador em seu habitáculo que o Criador assumiu a sua criatura, mas, ao contrário, uma natureza como que se adicionou à outra. Embora duas naturezas, uma a assumente e outra assumida, é tal a unidade que formam, que um único e mesmo Filho poderá dizer-se, enquanto verdadeiro homem, menor que o Pai (Jo 14, 38) e enquanto verdadeiro Deus, igual ao Pai (Jo 10, 30).

Uma unidade dessas, caríssimos, entre Criador e criatura, o olhar cego dos arianos não pôde entender, os quais, não crendo que o Unigênito de Deus possua a mesma glória e substância do Pai, afirmaram ser menor a divindade do Filho, argumentando com as palavras (evangélicas) que dizem respeito à forma de servo (Fl 2, 6).

Ora, o próprio Filho de Deus, para mostrar como essa condição de servo nele existente não pertence a uma pessoa estranha e distinta, com ela mesma nos diz: "eu e o Pai somos uma só coisa" (Jo 10, 30)

Na natureza de servo, portanto, que ele, na plenitude dos tempos, assumiu em vista da nossa redenção, é menor do que o Pai; mas na natureza de Deus, na qual existia desde antes dos tempos, é igual ao Pai. Em sua humildade humana, foi feito da mulher, foi feito sob a Lei (Gl 4, 4), continuando a ser Deus, em sua majestade divina, o Verbo divino, por quem foram feitas todas as coisas (Jo 1, 3). Portanto, aquele que, em sua natureza de Deus, fez o homem, revestiu uma forma de servo, fazendo-se homem; é o mesmo o que é Deus na majestade desse revestir-se e homem na humildade da forma revestida. Cada uma das naturezas conserva integralmente suas propriedades: nem a de Deus modifica a de servo, nem a de servo diminui a de Deus. O mistério, pois, da força unida à fraqueza, permite que o Filho, em sua natureza humana, se diga menor do que o Pai, embora em sua natureza divina lhe seja igual, pois a divindade da Trindade do Pai, do Filho e do Espírito Santo é uma só. Na Trindade o eterno nada tem de temporal, nem existe dissemelhança na divina natureza: lá a vontade não difere, a substância é a mesma, a potência igual, e não são três Deuses, unidade verdadeira e indissociável é essa, onde não pode existir diversidade.

Nasceu pois numa natureza perfeita e verdadeira de homem o verdadeiro Deus, todo no que é seu e todo no que é nosso. "Nosso" aqui dizemos que o Criador criou em nós no início, e depois assumiu para restaurar. O que, porém, o sedutor (o demônio) introduziu e o homem, ludibriado, aceitou, isso não teve nem vestígio no Salvador, pois comungando com nossas fraquezas não participou dos nossos delitos. Elevou o humano sem diminuir o divino, dado que a exinanição em que o Invisível se nos mostrou visível foi descida de compaixão, não deficiência de poder.

Assim, para sermos novamente chamados dos grilhões originais e dos erros mundanos à eterna bem-aventurança, aquele mesmo a quem não podíamos subir desceu até nós. Se, realmente, muitos eram os que amavam a verdade, a astúcia do demônio iludia-os na incerteza de suas opiniões, e sua ignorância, ornada com o falso nome de ciência, arrastava-os a sentenças as mais diversas e opostas. A doutrina da antiga Lei não era bastante para afastar essa ilusão que mantinha as inteligências no cativeiro do soberbo demônio. Nem tampouco as exortações dos profetas lograriam realizar a restauração de nossa natureza. Era necessário que se acrescentasse às instituições morais uma verdadeira redenção, necessário que uma natureza corrompida desde os primórdios renascesse em novo início. Devia ser oferecida pelos pecadores uma hóstia ao mesmo tempo participante de nossa estirpe e isenta de nossas máculas, a fim de que o plano divino de remir o pecado do mundo por meio da natividade e da paixão de Jesus Cristo atingisse as gerações de todos os tempos e, longe de nos perturbar, antes nos confortasse a variação dos mistérios no decurso dos tempos, desde que a fé, na qual hoje vivemos, não variou nas diversas épocas.

Cessem, por isso, as queixas dos que impiamente murmuram contra a divina providência e censuram o retardo da natividade do Senhor, como se não tivesse sido concedido aos tempos antigos o que se realizou na última idade do mundo. A Encarnação do Verbo podia conceder, já antes de se realizar, os mesmos benefícios que outorga aos homens, depois de realizada; o ministério da salvação humana nunca deixou de se operar. O que os apóstolos pregaram, os profetas prenunciaram; não foi cumprido tardiamente aquilo a que sempre se prestou fé. A sabedoria, porém, e a benignidade de Deus, cem essa demora da obra salutífera, nos fez mais capazes de nossa vocação, pois o que fora prenunciado por tantos sinais, tantas vezes e tantos mistérios, poderíamos reconhecer sem ambigüidade nestes dias do Evangelho. A natividade, mais sublime do que todos os milagres e do que todo o entendimento, geraria em nós uma fé tanto mais firme quanto mais antiga e amiudada tivesse sido antes sua pregação. Não foi, pois, por deliberação nova ou por comiseração tardia que Deus remediou a situação do homem, mas, desde a Criação do mundo instituíra uma e mesma causa de salvação, para todos. A graça de Deus, que justifica os santos, foi aumentada com o nascimento de Cristo, não foi simplesmente principiada. E esse mistério da compaixão, esse mistério que hoje já enche o mundo, fora tão potente em seus sinais prefigurativos que todos os que nele creram, quando prometido, não conseguiram menos do que os que o conheceram realizado.

São assim, caríssimos, tão grandes os testemunhos da bondade divina para conosco que, para nos chamar à vida eterna, não apenas nos ministrou as figuras, como aos antigos, mas a própria Verdade nos apareceu, visível e corpórea. Não seja, portanto, com alegria profana ou carnal que celebremos o dia da natividade do Senhor. celebra-lo-emos dignamente se nos lembrarmos, cada um de nós, de que Corpo somos membros e a que Cabeça estamos unidos, cuidando que não se venha a inserir no sagrado edifício uma peça discordante.

Considerai atentamente, caríssimos, sob a luz do Espírito Santo, quem nos recebeu consigo e quem recebemos conosco: sim, como o Senhor se tornou carne nossa, nascendo, também nós nos tornamos seu Corpo, renascendo. Somos membros de Cristo e templos do Espírito Santo e por isto o Apóstolo diz: "Glorificai e trazei a Deus no vosso corpo" (1Cor 6, 20). Apresentando-nos o exemplo de sua humildade e mansidão, o Senhor comunica-nos aquela mesma força com que nos remiu, conforme prometeu: "Vinde a mim, vós todos, que trabalhais e estais sobrecarregados, e eu vos reconfortarei. Tomai o meu jugo sobre vós e aprendei de mim que sou manso e humilde de coração, e encontrareis repouso para vossas almas" (Mt 11, 28s).

Tomemos, portanto, o jugo, em nada pesado e em nada áspero, da Verdade que nos guia e imitemos na humildade aquele a cuja glória queremos ser configurados. Que nos auxilie e nos conduza às suas promessas quem em sua grande misericórdia é poderoso para apagar nossos pecados e completar seus dons em nós, Jesus Cristo, nosso Senhor, que vive e reina pelos séculos dos séculos. Assim seja."



(PL 54, 199ss.) Extraído de: http://www.ecclesia.com.br/biblioteca/pais_da_igreja/s_leao_magno_sermao23_natal_do_senhor.html

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Por Dr. Rafael Vitola Brodbeck, Delegado de Polícia
Dia desses, escrevi o seguinte, em inglês, a amigos dixies (sulistas americanos, herdeiros da tradição dos confederados da Guerra Civil), sobre nossa semelhança com eles:

A Revolução Farroupilha ou Guerra dos Farrapos foi uma guerra civil entre o Império e o Rio Grande do Sul, o qual tem uma cultura própria, a cultura gaúcha, a mesma que na Argentina e Uruguai. O Rio Grande tem uma identidade própria, muito semelhante ao do sul dos Estados Unidos, e totalmente diferente do resto do Brasil. Nós, no Rio Grande do Sul, falar português mas com sotaque espanhol e palavras em espanhol, nossas danças, música, comida e roupas são argentino / uruguaio. Aqui, temos temperaturas frio e da neve, ao contrário do Brasil. Nós, no Rio Grande do Sul, adoramos a nossa bandeira - que é a mesma usada na Revolução Farroupilha - talvez até mais do que a bandeira brasileira, assim como as dixies fazer com a sua bandeira confederada.

Até hoje, comemoramos a Revolução com festas, desfiles a cavalo, trajes típicos, honrando os nossos generais e os heróis do Rio Grande, a cada ano. E reencenamos batalhas em nossos sítios históricos. Rio Grande do Sul e sul dos Estados Unidos são gêmeos.

O mesmo ocorre na Argentina e no Uruguai, ao celebrar Artigas, Urquiza, San Martin, Mitre, em suas guerras intestinas e na independência das províncias do Prata.

Havia várias correntes de pensamento na Revolução. E a de Garibaldi, embora importante, era uma minoria. É uma "legenda negra" o ideal maçônico da Revolução Farroupilha. Os maçons estavam também no Império (lembre-se D. Vital?)... E havia católicos na Farroupilha. Sim, o Império não era um tirano "per se", mas com o centralismo (com o iluminista D. Feijó na Regência) e o anti-federalismo do Segundo Império, com muitos impostos, havia se tornado um.

Havia maçons entre os farroupilhas, como os havia no Império. Grande parte dos líderes farroupilhas (como o principal, o Gen Bento Gonçalves) eram conservadores e ao menos simpatizantes da monarquia (Bento Gonçalves apenas TOLEROU a independência feita pelo Gen. Netto na sua AUSÊNCIA - eis que estava preso - e mesmo assim para chamar a atenção do Império contra os altos impostos).

O inimigo dos farroupilhas não era o Imperador Pedro II, mas Feijó e os pseudo-conservadores e centralistas. O objetivo do Revolução não foi necessariamente a implantação da república, mas do federalismo. O epíteto de "liberal" em Farroupilha não foi ao estilo maçônico, necessariamente, mas contra o centralismo e a favor do federalismo - à semelhança dos "federales", herdeiros do uruguaio Artigas, nas guerras intestinas argentinas contra os unitários.

Bento Gonçalves, em 1835, disse respeitar o juramento que tinha feito ao código sagrado, ao trono e à manutenção da integridade constitucional do Império. Em princípio, portanto, a revolta não era um caráter separatista, mas se dirigia contra o Presidente da Província do Rio Grande e contra o Comandante das Armas.

Os farroupilhas queriam paz e estavam prontos para se juntar ao Exército Imperial, no qual lutaram bravamente na Guerra do Paraguai. Os herdeiros dos farroupilhas foram os maragatos na Revolução Federalista de 1895 contra a República maçônica e positivista. E alguns dos maragatos eram pró-monarquia e queriam restaurar o Império. O federalismo do maragatos foi o mesmo dos farroupilhas.

De fato, Bento Gonçalves foi um dos entusiastas do Tratado do Ponche Verde, que fez a paz com o Império. A separação nunca foi o objetivo da maioria dos farroupilhas, mas, como escrevi, a luta contra a Regência, o centralismo e a "taxation with no representation". Eu sou um monarquista e também um farroupilha. Recusando, de fato, a ajuda de argentinos e uruguaios, o general David Canabarro, herói farrapo e amigo de Bento Gonçalves, disse: "Com o sangue do primeiro castelhano a cruzar a fronteira, assinaremos a paz com o Império." A luta foi pelo federalismo, não necessariamente contra o Brasil. Aliás, anos mais tarde, os mais bravos soldados do Brasil na guerra contra o Paraguai, foram farroupilhas antigos ou os seus filhos.

As duas novas repúblicas da Guerra dos Farrapos foram transitórias, para forçar o Império a rever os impostos e implantar o federalismo real (como os maragatos, mais tarde). Mas, sim, havia infiltração maçônica, mas os "pedreiros-livres" estavam também entre os militares do Império, com yankees, com os confederados etc.

Outras informações: a Constituição da República Riograndense, inaugurada pela Revolução Farroupilha, previa a Igreja Católica Romana como a religião oficial do Estado; os principais eventos foram celebrados nas igrejas paroquiais, onde eles cantaram o Te Deum; Bento Gonçalves utilizou as lojas maçônicas como um lugar de conspiração para o seu segredo, mas ele mesmo não era maçom proeminente, nem tinha comunhão com os ideais carbonários - como Garibaldi tinha; Bento Gonçalves mandava celebrar a Missa de Requiem para as almas dos farroupilhas e INIMIGOS IMPERIAIS mortos em campos de combate, e venerava os sacerdotes, não permitindo, além disso, que as igrejas protestantes tinham aspecto exterior da igreja; havia capelães oficiais com o Exército dos farrapos; a maioria do clero católico apoiou a Revolução; Pe. Chagas foi declarado como vigário apostólico por Bento Gonçalves, invocando o direito do Padroado, e foi solicitada a confirmação do Papa, que não a deu porque a consumação da separação não foi finalizada.

É uma prova substancial de que os farroupilhas queriam permanecer católicos, não-maçônicos (um pequeno grupo, liderato por Garibaldi era maçônico e anticlerical). Após a pacificação do Rio Grande, o Império e a Santa Sé confirmaram o desejo dos farroupilhas em ter uma diocese, e a criou em Porto Alegre; muitos sacerdotes farroupilhas, como padres Fidêncio, Lobato e Caldas, foram confirmados, depois da paz, como sacerdotes no RS, e distinguiram-se como construtores de igrejas e apóstolos vigorosos, mesmo durante a guerra.

Um padre farroupilha, Pe. Lobato foi, após a guerra, secretário do bispo.

Um outro sacerdote farroupilha, Pe. Hildebrando, pároco de Bagé, morreu com a odor de santidade.

Gaúcho: forjado em Pólvora e Sangue

Por Dr. Rafael Vitola Brodbeck
Delegado de Polícia em Santa Vitória do Palmar

Há 177 anos, um grito independentista consolidava a epopéia de uma nação. Longe de ser uma revolta contra o Brasil, a afirmação de um sentimento de amor ao pago, desprezado, já naquela época, pelo poder central, a Revolução Farroupilha inscreve-se na história como o manancial de onde brotam as águas vivas a banhar a alma pampeana.

É bem verdade que o gaúcho não nasceu em 1835, e que, antes da dita Revolução, outras guerras o acompanhavam. Podemos, de fato, dizer que, desde a gênese desse centauro das planícies da América do Sul, as escaramuças lhe fizeram escolta. O gaúcho, seja o riograndense, seja o rioplatense, vive e se alimenta dos combates. Na Argentina, no Uruguai ou no Rio Grande, o gaúcho se vê, sempre, às voltas com a guerra: ou dela participa, ou dela descansa, ou para ela se prepara, quando dela não cura as feridas.

E na história de cada um dos três povos gaúchos – ou um só povo gaúcho sob três bandeiras –, o derramamento de sangue, por vezes injusto, mas, na maioria delas, cercado e abastecido por um valor maior, se viu não só vivamente presente como cantado em poesias e payadas, a rememorar seu passado ibérico na luta contra o mouro invasor.

Se ao gaúcho argentino ou uruguaio outras lutas falam mais alto, e se mesmo ao gaúcho do sul do Brasil pelejas anteriores não lhe deixam de marcar o lombo, foi, certamente, a Guerra dos Farrapos a que mais calou fundo em nossa alma. Já tínhamos, os riograndenses, tantos sinais das investidas bélicas desde o aparecimento na pampa desse vaqueano, misto de índio, negro, português e espanhol: recorridas pelo estabelecimento das fronteiras, defesa das estâncias, e, é triste constatar, duelos fratricidas, forjaram o espírito gauchesco. E isso a tal ponto que mesmo a técnica campeira das fazendas é um arremedo da guerra, e o peão não deixará sua faca e seu revólver nem mesmo na visita ao bolicho ou no namoro de porteira. A estância era o castelo feudal dos nossos campos, e os campesinos os soldados sempre prontos a cumprir seu dever de lealdade pelo patrão. A vida civil, se existia no Rio Grande e nos países do Prata, era apenas o interstício entre duras pugnas. O tilintar das espadas, o estouro dos canhões, as cargas de cavalaria, são, para o gauchismo, a sinfonia que rege sua vida e acompanha o desdobrar dos acontecimentos mais importantes do estabelecimento de sua pátria.

O militarismo, pois, faz parte da vida do homem sulino, ainda que seja paisano. Até os esportes por aqui são imitação da batalhas: que o diga o estilo aguerrido de jogar futebol, ou o fato de chamarmos aos uniformes dos jogadores “fardamento”, ou indicarmos que a função do goleiro é atacar – até a defesa, que é a atividade do goleiro, se torna um ataque, bem típico de um povo ativo e altivo.

Não se menospreze, entretanto, por isso, o poder mítico do decênio heróico. De 1835 a 1845, o Rio Grande de São Pedro, ao pegar em armas contra um centralismo absolutamente incompatível com as tradições cristãs de subsidiariedade e auto-afirmação dos povos, não inaugura, é verdade, nossas guerras nem funda o gaúcho. Todavia, fixa na mentalidade do sul-riograndense seus mais altos ideais. A Revolução Farroupilha é a síntese de todas as guerras da pampa. Se não cria o gauchismo, o consolida, marca profundamente sua cerviz. Todas as batalhas de antes e todas as lutas que virão – e não serão poucas, como atestam os sangrentos combates de 1893 e 1923, e até mesmo a unificação das forças políticas do Estado para a vitória montada a cavalo de 1930 –, conectam-se, indissoluvelmente, ao manifesto farrapo.

É a Guerra de 35 que molda o gaúcho, é ela que se torna o combate por antonomásia. Sem ela, o gaúcho existiria, como, de fato, já existia. Sem ela, o gaúcho lutaria, como, de fato, já lutava. Igualmente sem ela, porém, ele, ao menos o gaúcho brasileiro, não seria o que é hoje, e lhe faltaria no peito um coração como o que bate, tal qual um bumbo legüero, ao contemplar, hasteado, o pavilhão tricolor e, cintilando, a chama que se inflama nas centelhas dos galpões Rio Grande afora!

Viva o 20 de Setembro! Viva a liberdade do povo gaúcho! Que nossa glória e sangue sejam a exaltação da pátria e o orgulho do Brasil!

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Vocação história da Província de São Pedro


Por Dr. Rafael Vitola Brodbeck - Delegado de Polícia
Nossa abençoada terra gaúcha é destinada por Deus a protagonizar uma legítima contra-revolução cultural. Por sua história virtuosa, cumpre ao Rio Grande responder com altivez e generosidade o chamado para cumprir sua singular vocação!

Fundado sobre o vigor apostólico dos jesuítas missioneiros, que não hesitaram em organizar os nativos para sua civilização e para a plantação de valores morais e religiosos autenticamente cristãos, nosso Continente de São Pedro tem diante de si a contemplação de seu passado para melhor conduzir o presente rumo a um futuro onde a Cristandade e os verdadeiros pilares da virtude alicercem o modus vivendi de toda a nação brasileira. Como a batalha de Guararapes formou a civilização brasílica, as guerras nas quais moldamos nossos heróis, por seu sangue, sofrimento, perdas e vitórias, implantaram como que fundamentalmente na alma do gaúcho o desejo de doar sua vida para realizar a missão encomendada pela Providência.

Ainda que com legítimas adaptações ao jeito de ser do campeiro, a cultura reinante no Rio Grande, tipicamente européia, nos forneceu uma ampla formação humanística e católica. Primando pela sacralização das estruturas temporais, tudo remetendo a Deus, a despeito das penetrações ideológicas iluministas, maçônicas e positivistas, que tentaram – infelizmente com algum sucesso – incutir o laicismo, o racionalismo anticristão e o relativismo entre o povo rio-grandense, sempre o espírito de luta, mesmo que por vezes com objetivos equivocados, e o sentimento de defesa da pátria e dos ideais, foram o norte a apontar o caminho por onde nossa raça deveria triunfar. A vontade aguerrida dos farroupilhas, que fundaram seu movimento inicialmente sem pretensões separatistas, e que aceitando, em 1845, submeter-se à Coroa Imperial, não o fizeram por covardia ou rendição, senão com a firme esperança de ter seus objetivos maiores alcançados, deve servir de espelho para que analisemos a atitude de nossa geração. Temos de mirar o heroísmo dos gaúchos que não mediram dificuldades ao defender as fronteiras do Brasil, desde as pelejas pela posse e demarcação do território até a guerra contra o despotismo do cruel ditador paraguaio, Solano Lopez.

Ao lado dos perniciosos ares liberais, ventilados pelo agnosticismo – espécie de ateísmo prático, covarde e sem compromisso – e por todos que se opunham à autêntica Civilização Católica, sobrevivia, no pretérito de nossas plagas, uma inexpugnável mentalidade sadiamente conservadora, hierárquica, e, por isso mesmo, cristã.

Amálgama de indígenas guerreiros e determinados, cultores da liberdade, mas que aprenderam com sabedoria o valor de uma sociedade civilizada; de valentes espanhóis, descendentes de cruzados e cavaleiros andantes, marcados na alma com as glórias da Reconquista contra os mouros; e de intrépidos portugueses que ousaram assenhorear-se dos oceanos para o bem da humanidade, o tipo inicial do gaúcho é vocacionado a protagonizar a batalha pela retomada de valores sagrados, e impregnar com eles todos os aspectos de sua vida.

Da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, há de se ouvir o clarim incitando ao combate... E que todos os que se julgam corajosos ouçam a trombeta sem pestanejar, honrando a tradição de tantos soldados destemidos com os quais presenteamos nosso amado país!

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Para quem deve governar um prefeito?


É recorrente em períodos eleitorais alguns candidatos apresentarem uma dicotomia, entre o governante ruim que  governa para as elites (especialmente no sentido econômico) e o governante bom, a alternativa ao mal, aquele que governaria para os trabalhadores. Ora, na Câmara dos Vereadores, é compreesível que haja vereadores que desejem representar mais especificamente um setor da sociedade... geralmente, um enfermeiro irá se candidatar para lutar por melhoriais em hospitais e postos de saúde, a professora para batalhar por melhores condições de trabalho e estudo nas escolas, etc. Mas tal discurso não cabe em um candidato a Prefeitura. O Prefeito, na qualidade de chefe do Poder Executivo Municipal, deve ser o líder, aquele que governa (embora geralmente tenha sido votado pela maioria e não por unanimidade) em nome de todos os cidadãos do Município. Deve ser, no âmbito local, aquele que equilibra os vários componentes da Cidade, aquele que, embora represente um partido e sua bandeira, enquanto está a frente de seu gabinete, é o Prefeito de toda a Cidade, devendo governar para todos.
Claro que um Prefeito geralmente estará mais ligado a um grupo do que aos outros, mas deve ter sempre ciência (também deve tê-la o eleitor!) de que não é Prefeito somente dos coligados ou dos que o elegeram, mas de todo o Município, devendo portanto governar em proveito do Bem Comum e não ser um catalisador dos conflitos e divergências internas. Em sínetese: o Prefeito não deve ter uma mentalidade de "luta de classes" que, além de gritantemente anacrônica, nada faz além de dividir os cidadãos e aumentar as tensões. Nada resolve.
Essas reflexões me vieram a mente depois de ver em um debate um candidato a prefeito repetir inúmeras vezes que pretendia fazer um governo "para os trabalhadores". Ora, se uma oligarquia das elites é uma perversão da busca do Bem Comum na sociedade, igualmente o é uma demagogia do proletariado (se é que ainda se pode falar nesse termo, dado que nossa sociedade é muito mais complexa e heterogênea do que aquela da Revolução Industrial oitoscentista), demagogia essa que nada faz além de transformar os trabalhadores em massa de manobras do Estado e das ideologias.

A educação integral em pauta nas eleições municipais 2012

Assistindo o horário eleitoral, percebi que vários candidatos defendem a educação pública em período integral. Acho que a educação integral é uma opção válida e salutar, mas sou contra a imposição dela como obrigatória pelo Estado, dado as diferentes circunstâncias de cada contexto, bem como a liberdade e pluralidade de métodos garantida pela Constituição. Ademais, qualquer medida em prol da educação que não priorize a melhoria da qualidade (o que não significa necessariamente mais horas ou conteúdos) e uma educação livre do mainstream ideológico (quem leciona História sabe bem o que isso quando analisa os livros didáticos!) se revelará obsoleta e mera política de fachada.
A recente política de 50% de Cotas em Universidades públicas, aprovada pelo Senado e sancionada pela Presidente da República mostra claramente a tendência demagógica do governo usar-se de números e estatísticas educacionais para se promover enquanto a qualidade do ensino universitário é denegrida, o investimento e a qualidade da escola pública relegado ao esquecimento e todo o sistema de ensino se direcionando cada vez mais para um controle de natureza ideológica e esquerdopata.
Uma educação de fachada, um crime contra a inteligência, o anseio de saber e a capacidade de todos os brasileiros! O dever da educação é primordialmente dos pais, das famílias, devendo o Estado atuar na educação de forma subsidiária. Isso acarreta o direito, da parte dos pais, de escolherem para os filhos as escolas e métodos pedagógicos que julgarem mais apropriados para a formação de seus filhos. Assim, é necessário que o Estado garanta essa pluralidade de métodos e o protagonismo das famílias, a fim de que nossa educação seja verdadeiramente livre e formadora de consciências e não apenas marionetes stalinistas.
Ficai atentos nessas eleições para as propostas educacionais dos candidatos! Procurai saber que tipo de educação eles defendem quando dizem o já esganiçado clichê de "promover e melhorar a educação"!

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Recordando o gosto pela História em meio à correria...

Ainda lembro com saudosismo de quando li a obra Carlos Magno (São Paulo: Estação Liberdade, 2004), monumental estudo do medievalista Jean Favier sobre uma das maiores pesonalidades da História do Ocidente Medieval, lá pelos idos de 2004, antes mesmo de entrar na faculdade... passava dias inteiros devorando o denso livro, especialmente em finais de semana e nas horas de hotel durante viagens. Me afieçoei pelo livro e me interessei pela análise, muito embora minha capacidade de reter a complexidade do estudo de Favier ainda fosse bastante limitada. Hoje, ao repassá-la brevemente para colher algumas informações sobre Carlos Magno para colocar na dissertação (haja vista Álvaro Pelayo erigi-lo como um de seus modelos de monarca em seu Speculum Regum (há uma edição em 2 volumes, provida do texto orginial latino e da tradução portuguesa de Miguel Pinto de Menezes - Lisboa: Instituto de Alta Cultura: Vol. I-1955 e Vol. II-1963), redigido entre 1341-1344, portanto alguns séculos já distantes do grande rei franco) me surpreendi com a beleza e profundidade dessa obra! Me deu vontade de devorar este livro novamente e, de fato, o farei assim que concluir meu mestrado.
O período carolíngio sempre me fascinou e foi ele quem fez com que eu entrasse decididamente para a área de Medieval durante a faculdade. Pois bem, os historiadores tem certas ligações afetivas com alguns aspectos do passado que os cativam de forma especial. Talvez seja esse gosto que impulsione sua curiosidade e ação em busca da pesquisa exaustiva de fontes e análises historiográficas...

O gosto pela História, que cultivo desde criança (o que seria um assunto para um outro post...) potencializou-se bastante nos anos de Ensino Médio, quando já estava decidido a prestar vestibular para História, tanto pelo seu aspecto docente quanto pela área da pesquisa. Ambos me fascinavam... a curiosidade e a paixão pela História humana me moviam a uma pesquisa sempre constante, sempre achava-me lendo sobre algo. Mas também me atraia a idéia de ensinar e transmitir o conhecimento adquirido... recordando aquilo que diz Dante Alighier de que o homem deve ser como uma rosa, espalhando para fora o perfume de seu interior ("Convém que o homem se abra como uma rosa que não pode permanecer fechada, e o perfume que ela gerou em seu interior deve se espargir." - Convívio, IV, XXVII). Nesse sentido, creio que  sempre mative aquela espírito da criança que se maravilha diante das mais pequenas e simples descobertas e deseja compartilhá-las com todo mundo. Por isso sempre gostei de conversar sobre História e compartilhar o saber com os demais... mas continuemos.
 
No período do Ensino Médio, minhas economias foram investidas em materiais sobre História... algumas compras revelaram-se futuramente pouco acertadas, como algumas revistas não-acadêmicas sobre História (especialmente ligadas a Superinteressante). Algo compreensível em um adolescente ávido de saber mas que está buscando material de pesquisa sem muito direcionamento... mas, algumas compras feitas em meu setor eternamente favoritor dos Shopping Centers (ao lado dos Cafés, claro...), as Livrarias, foram muito bem acertadas e as levei para a minha posterior formação. Destaco, além da obra monumental de Favier já anteriormente citada, dois livros:
* Bizâncio: A Ponte da Antiguidade para a Idade Média (Rio de Janeiro: Imago, 2002) de Michael Angold. Uma das primeiras aquisições. Era, se bem me lembre, num período de férias (não recordo se de verão ou inverno...) e havíamos aproveitado para fazermos uma série de consultas de chekcup... por isso,m acabei devorando o livro rapidamente, lendo-o com intenso gosto nas salas de espera dos consultórios. Enfim, o livro faz um esboço da História da cidade de Bizâncio/Constantinopla desde sua fundação até os enfrentamentos entre bizantinos e normandos no século XI, mostrando a História dessa cidade e a relação do Império que dela emanava com outras regiões e culturas como uma forma de entender as transformações que marcam a passagem do mundo antigo para o mundo medieval.
História da Idade Média: Textos e testemunhas de Maria Guadalupe Pedrero-Sánchez (São Paulo: Editora da Unesp, 2000). Comprei-o também por volta de 2004, interessado pela sua intensa compilação de extratos de fontes e documentos de vários lugares e épocas do medievo. Mal sabia eu que, como diria-me um saudoso professor da Faculdade, "o estudo das fontes é indispensável para o ofício do historiador". Fiquei surpreso e contente ao ver esta obra ser escolhida como manual das aulas de História Medieval ocidental no segundo período do meu curso de Licenciatura e Bacharelado em História, pela professora que logo se tornaria minha orientadora de Monografia e é ainda hoje minha orientadora no Mestrado.
Voltando de onde havíamos começado, o próprio livro Carlos Magno de Jean Favier foi-me muito útil ainda na graduação em História... quando, por ocasião de uma prova sobre período carolíngio fui perguntar a professora qual o parecer dela sobre a obra ela disse-me que se eu havia lido o livro inetiro, não necessitaria estudar para aquela prova...

Curisosos e fascinantes são os caminhos pelas quais nos conduz a Providência do Bom Deus! Essa pequena reflexão é também uma ação de graças pelo auxílio Divino que pôs em mim não só o gosto apaixonado e motivador pela História como também tem me concedido, não obstante minha pequenez, as graças necessárias para continuar exercendo o ofício da pesquisa e divulgação do conhecimento histórico em toda a sua riqueza e beleza. Ao pensar nisso, sinto-me partícipe daquela alegria e convicção de Hugo de São Víctor acerca da beleza, utilidade e nobreza dos conhecimentos das várias áreas, que ele tão eloquentemente expôs em seu Didascalion.


quarta-feira, 6 de junho de 2012

Breve explicação sobre o sentido do Apocalipse

"[...] segundo os melhores estudiosos, o Apocalipse é um texto com sentido para aquela época em que foi escrito (cristianismo primitivo, época das grandes perseguições e mártires), para todas as épocas (a batalha entre o bem e o mal continua em todos os tempos) e como profecia sobre o Juízo Final (com o conseqüente final dos tempos). É acima de tudo um livro de consolação para os que vivem a fé em Cristo, é um livro da permanente vitória da Igreja, mesmo que em meio a contradições e a aparentes derrotas, é o livro da vitória final." (Pe. Manoel Augusto dos Santos)

sábado, 2 de junho de 2012

Evento sobre Ciência e Fé em Curitiba no dia 16/06!

Segue abaixo o convite com os dados sobre o evento "Ciência e Fé: a ação do Cristianismo ao longo dos séculos" que será realizado na Escola do Bosque (Rua Mateus Leme, esquina com a Rua José Korman, nº 4248, Bairro São Lourenço, Curitiba-PR):


quinta-feira, 26 de abril de 2012

512 anos: Uma Errata sobre a 1ª Missa no Brasil


Quase todos nós ao ouvirmos falar da primeira Missa celebrada em território brasileiro imediatamente trazemos à nossa mente a imagem imortalizada pela tela de Victor Meirelles de 1860 e atualmente exposta no Museu de Belas Artes do Rio de Janeiro. A pintura, de estilo romântico, representa os indígenas e portugueses assistindo a uma Missa celebrada pelo Frei Henrique de Coimbra, acolitado por um outro frade, diante de uma grande cruz de madeira armada junto do altar da celebração. Por ocasião dos 512 anos da celebração da primeira missa no Brasil, comemorado hoje, dia 26 de abril de 2012, essa imagem está sendo compartilhada nas redes sociais para relembrar o evento. Contudo, a tela de Meirelles retrata na verdade, a segunda Missa no Brasil, celebrada dia 1º de maio. Como assim?!
No dia 26 de abril de 1500, os portugueses celebraram a primeira missa no Brasil, mas na ilha da Coroa Vermelha, uma ilhota que já não existe mais. Era Domingo da Oitava de Páscoa, e a Missa foi celebrada de forma cantada, sobre um altar montada debaixo de um dossel, assistida por cerca de 1000 homens da esquadra de Pedro Álvarez Cabral. Na praia do continente, cerca de 200 indígenas acompanhavam de longe a cerimônia. 

"Ao domingo de Pascoela pela manhã, determinou o Capitão ir ouvir missa e sermão naquele ilhéu. E mandou a todos os capitães que se arranjassem nos batéis e fossem com ele. E assim foi feito. Mandou armar um pavilhão naquele ilhéu, e dentro levantar um altar mui bem arranjado. E ali com todos nós outros fez dizer missa, a qual disse o padre frei Henrique, em voz entoada, e oficiada com aquela mesma voz pelos outros padres e sacerdotes que todos assistiram, a qual missa, segundo meu parecer, foi ouvida por todos com muito prazer e devoção. 
Ali estava com o Capitão a bandeira de Cristo, com que saíra de Belém, a qual esteve sempre bem alta, da parte do Evangelho.
Acabada a missa, desvestiu-se o padre e subiu a uma cadeira alta; e nós todos lançados por essa areia. E pregou uma solene e proveitosa pregação, da história evangélica; e no fim tratou da nossa vida, e do achamento desta terra, referindo-se à Cruz, sob cuja obediência viemos, que veio muito a propósito, e fez muita devoção.
Enquanto assistimos à missa e ao sermão, estaria na praia outra tanta gente, pouco mais ou menos, como a de ontem, com seus arcos e setas, e andava folgando. E olhando-nos, sentaram. E depois de acabada a missa, quando nós sentados atendíamos a pregação, levantaram-se muitos deles e tangeram corno ou buzina e começaram a saltar e dançar um pedaço. E alguns deles se metiam em almadias -- duas ou três que lá tinham -- as quais não são feitas como as que eu vi; apenas são três traves, atadas juntas. E ali se metiam quatro ou cinco, ou esses que queriam, não se afastando quase nada da terra, só até onde podiam tomar
pé.
Acabada a pregação encaminhou-se o Capitão, com todos nós, para os batéis, com nossa bandeira alta."(Carta de Pero Vaz de Caminha a El-Rey Dom Manuel I de Portugal, Porto Seguro, 1º de maio de 1500. Os grifos são meus)

O motivo desta celebração ter sido mais afastada foi provavelmente de que o caítão não se sentia seguro de mandar celebtrar a liturgia no continente por ainda não ter contatos suficientes com os nativos da terra.
Foi só na sexta-feira, 1º de maio, que o Frei Henrique de Coimbra celebrou Missa solene diante da cruz de madeira plantada na terra da praia de Porto Seguro, a qual assistiu toda a esquadra e uma grande quantidade de indígenas que se juntaram para observarem a cerimônia.

"E hoje que é sexta-feira, primeiro dia de maio, pela manhã, saímos em terra com nossa bandeira; e fomos desembarcar acima do rio, contra o sul onde nos pareceu que seria melhor arvorar a cruz, para melhor ser vista. E ali marcou o Capitão o sítio onde haviam de fazer a cova para a fincar. E enquanto a iam abrindo, ele com todos nós outros fomos pela cruz, rio abaixo onde ela estava. E com os religiosos e sacerdotes que cantavam, à frente, fomos trazendo-a dali, a modo de procissão. Eram já aí quantidade deles, uns setenta ou oitenta; e quando nos assim viram chegar, alguns se foram meter debaixo dela, ajudar-nos. Passamos o rio, ao longo da praia; e fomos colocá-la onde havia de ficar, que será obra de dois tiros de besta do rio. Andando-se ali nisto, viriam bem cento cinqüenta, ou mais. Plantada a cruz, com as armas e a divisa de Vossa Alteza, que primeiro lhe haviam pregado, armaram altar ao pé dela. Ali disse missa o padre frei Henrique, a qual foi cantada e oficiada por esses já ditos. Ali estiveram conosco, a ela, perto de cinqüenta ou sessenta deles, assentados todos de joelho assim como nós. E quando se veio ao Evangelho, que nos erguemos todos em pé, com as mãos levantadas, eles se levantaram conosco, e alçaram as mãos, estando assim até se chegar ao fim; e então tornaram-se a assentar, como nós. E quando levantaram a Deus, que nos pusemos de joelhos, eles se puseram assim como nós estávamos, com as mãos levantadas, e em tal maneira sossegados que certifico a Vossa Alteza que nos fez muita devoção.
Estiveram assim conosco até acabada a comunhão; e depois da comunhão, comungaram esses religiosos e sacerdotes; e o Capitão com alguns de nós outros. E alguns deles, por o Sol ser grande, levantaram-se enquanto estávamos comungando, e outros estiveram e ficaram. Um deles, homem de cinqüenta ou cinqüenta e cinco anos, se conservou ali com aqueles que ficaram. Esse, enquanto assim estávamos, juntava aqueles que ali tinham ficado, e ainda chamava outros. E andando assim entre eles, falando-lhes, acenou com o dedo para o altar, e depois mostrou com o dedo para o céu, como se lhes dissesse alguma coisa de bem; e nós assim o tomamos!
Acabada a missa, tirou o padre a vestimenta de cima, e ficou na alva; e assim se subiu, junto ao altar, em uma cadeira; e ali nos pregou o Evangelho e dos Apóstolos cujo é o dia, tratando no fim da pregação desse vosso prosseguimento tão santo e virtuoso, que nos causou mais devoção.
Esses que estiveram sempre à pregação estavam assim como nós olhando para ele. E aquele que digo, chamava alguns, que viessem ali. Alguns vinham e outros iam-se; e acabada a pregação, trazia Nicolau Coelho muitas cruzes de estanho com crucifixos, que lhe ficaram ainda da outra vinda. E houveram por bem que lançassem a cada um sua ao pescoço. Por essa causa se assentou o padre frei Henrique ao pé da cruz; e ali lançava a sua a todos -- um a um -- ao pescoço, atada em um fio, fazendo-lha primeiro beijar e levantar as mãos. Vinham a isso muitos; e lançavam-nas todas, que seriam obra de quarenta ou cinqüenta. E isto acabado -- era já bem uma hora depois do meio dia -- viemos às naus a comer, onde o Capitão trouxe consigo aquele mesmo que fez aos outros aquele gesto para o altar e para o céu, (e um seu irmão com ele). A aquele fez muita honra e deu-lhe uma camisa mourisca; e ao outro uma camisa destoutras.
E segundo o que a mim e a todos pareceu, esta gente, não lhes falece outra coisa para ser toda cristã, do que entenderem-nos, porque assim tomavam aquilo que nos viam fazer como nós mesmos; por onde pareceu a todos que nenhuma idolatria nem adoração têm. E bem creio que, se Vossa Alteza aqui mandar quem entre eles mais devagar ande, que todos serão tornados e convertidos ao desejo de Vossa Alteza. E por isso, se alguém vier, não deixe logo de vir clérigo para os batizar; porque já então terão mais conhecimentos de nossa fé, pelos dois degredados que aqui entre eles ficam, os quais hoje também comungaram.
Entre todos estes que hoje vieram não veio mais que uma mulher, moça, a qual esteve sempre à missa, à qual deram um pano com que se cobrisse; e puseram-lho em volta dela. Todavia, ao sentar-se, não se lembrava de o estender muito para se cobrir. Assim, Senhor, a inocência desta gente é tal que a de Adão não seria maior -- com respeito ao pudor. Ora veja Vossa Alteza quem em tal inocência vive se se convertera, ou não, se lhe ensinarem o que pertence à sua salvação.
Acabado isto, fomos perante eles beijar a cruz. E despedimo-nos e fomos comer." (Carta de Pero Vaz de Caminha)

Fica assim, desfeito o engano. A primeira missa no Brasil foi celebrada em um Domingo, dia 26 de abril, na ilhota da Coroa Vermelha. O que Victor Meirelles representou em seu quadro de 1860 é a primeira Missa celebrada em terras continentais do Brasil, na sexta-feira, 1º de maio de 1500. Nada disso, contudo, anula a memória deste dia, em que comemoramos a primeira Missa celebrada em terras brasileiras, onde por singular graça e sagrado privilégio, nossa Pátria nasceu sendo oferecida a Deus junto com o Santo Sacrifício de Seu Filho e Senhor Nosso, Jesus Cristo.
Brasil: Terra de Santa Cruz!

SAIBA MAIS:
KUHNEN, Alceu. As Origens da Igreja no Brasil: 1500 a 1552.Bauru, EDUSC, 2005.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Aniversário de 7 anos de pontificado de Bento XVI!

Há 7 anos atrás, em 19 de abril de 2005, a Cristandade rejubilava com a fumaça branca da Capela Sistina e as palavras pronunciadas pelo Cardeal decano, Jorge Arturo Medina Estévez: "Anuncio-vos com grande alegria; já temos o Papa: O Eminentíssimo e Reverendíssimo senhor Dom Josef Cardeal da Santa Igreja Romana, Ratzinger que adotou o nome de Bento XVI!" O anúncio foi seguido pela aparição do tímido Pontífice, já com o solidéu branco e a estola papal, que pronunciou um breve e célebre discurso:

"Amados Irmãos e Irmãs,
Depois do grande Papa João Paulo II, os Senhores Cardeais elegeram-me, simples e humilde trabalhador na vinha do Senhor.
Consola-me saber que o Senhor sabe trabalhar e agir também com instrumentos insuficientes. E, sobretudo, recomendo-me às vossas orações.
Na alegria do Senhor Ressuscitado, confiantes na sua ajuda permanente, vamos em frente. O Senhor ajudar-nos-á. Maria, sua Mãe Santíssima, está connosco. Obrigado!"

Como recordar é viver, segue abaixo o vídeo deste maravilhoso momento de alegria para a Igreja que hoje celebramos. Rezemos hoje de forma especial por nosso querido Papa para que Deus lhe dê a fortaleza, sabedoria e prudência necessária para apascentar o rebanho de Cristo!




quarta-feira, 18 de abril de 2012

Pode a História ensinar-nos algo?

Historia magistra vitae - "História, mestra da vida" - disse o famoso orador e homem público da antiga República Romana, Marco Túlio Cícero (De oratore, II, 9). Essa frase resume uma concepção muito cara aos antigos acerca do caráter propedêutico e exemplar da História humana. Tão forte era essa concepção, que o modo de escrever a História dos antigos gregos e romanos era o que Eric Auerbach denominou de estilo "retórico-moralista": os historiadores a partir de seu relato traçavam juízos acerca dos atos e dos indivíduos relatados. Contudo, esse modo de fazer História dos gregos e romanos levava em conta mais fatores políticos e a vida dos homens notáveis da sociedade. Com as mudanças na historiografia ao longo de muitos séculos, a História passou a valorizar outros aspectos da sociedade (como o quotidiano, outros grupos sociais, práticas religiosas, hábitos culturais, etc) e cada vez mais ressaltou a imoportância dos contextos históricos de cada época, local e cultura. Até aqui, um resumo muito canhestro das mudanças na concepção de História (Historiografia nunca fora meu ponto forte nos tempos da faculdade de História...).
É verdade que os contextos culturais e as circunstâncias mudam frequentemente na História humana, entretanto, existem fatores que são comuns a todo ser humano, posto que possuímos a mesma natureza humana. Os homens que nos precederam foram de carne e osso como nós. Tinham as mesmas faculdades humanas do que nós: inteligência, vontade e sensibilidade. Em todas as épocas os seres humanos experimentaram o sofrimento, júbilo, os prazeres, os vícios e as virtudes... 
Certa vez ouvi na faculdade uma afirmação de que a História não poderia servir de exemplo, posto que, segundo o autor da afirmação, "ninguém aprende com os erros dos outros". É bem verdade que aprende-se muito mais fácil com a experiência própria, quando se experimenta as vicissitudes da vida na própria pele, mas é também verdade que podemos aprender com a experiência alheia, com os exemplos que nos são contados ou que vivenciamos, com os conselhos que nos dão. Trata-se, contudo, de um ato livre, responsável e consciente: percebermos e aceitarmos o ensinamento que a experiência alheia nos mostra. Isso é certamente mais difícil do que a experiência própria, pela qual aprendemos "na marra".
Certamente não podemos pelo simples ensino da História impedir que os homens repitam os erros do passado (muitas vezes julgando estarem fazendo uma grandiosa novidade...) ou repitam os feitos notáveis, mas podemos, individual e conscientemente, aprendermos com os exemplos de outras épocas (tendo o discernimento para compreender as eventuais diferenças contextuais e circunstanciais) tal como podemos aprender com a experiência que nos é transmitida por nossos familiares e pessoas próximas. Aliás, não é a História um grande conjunto de experiências pessoais? Não é a História Sacra narrada nas Escrituras um compêndio de bons e maus exemplos?

terça-feira, 17 de abril de 2012

Resumindo a Inquisição


Primeiramente é errado falar em "Inquisição" no singular, pois houveram diversas e distintas inquisições ao longo da história.

I- Os Padres da Igreja sempre defenderam que os hereges não deveriam ser mortos por serem hereges, por crerem diferente. De fato, no Império Romano cristão não haviam perseguições oficiais de morte aos hereges. Contudo, os grupos heréticos que atentassem contra a Ordem pública e social, sofriam as penas aplicadas pelo poder público. Nesse sentido que Santo Agostinho, bispo de Hipona, mesmo sendo contra a morte dos hereges, reconheceu necessária a execução do herege Prisciliano porque este perturbava a Ordem pública. No mais, os membros heréticos eram apenas afastados das igrejas e seus clérigos depostos de suas jurisdições e cargos.

II- É fundamentalmente a partir do século XI que surge na Cristandade ocidental as primeiras aplicações de penas de morte contra a heresia. Lê-se que nesse por volta dessa época o Rei Roberto I, o Piedoso, da França mandou queimar alguns indivíduos por causa de suas crenças heréticas. Por volta dessa época iniciam-se as investigações dos membros acusados de heresia. A existência ou não de heresia nos acusados competia à averiguação e juízo dos Bispos diocesanos, que tinham bastante autonomia nesses processos.

III- É também nesse século XI que surge no sul da França a heresia dos cátaros ou albigenses. Uma heresia que doutrinariamente pregava basicamente o dualismo maniqueísta: o Deus bom criara o espiritual e o Deus mal criara o material. Consequentemente rejeitavam a doutrina da Encarnação do Verbo de Deus e condenavam o matrimônio e a reprodução humana (haja vista que esta perpetuava a matéria). Os cátaros conseguiram grande influência sob a sociedade do sul da França, conseguindo mesmo reunir concílios e receber apoio de diversos senhores nobres locais, principalmente na passagem entre os séculos XII e XIII. Em 1184, o Papa Lúcio III emite o decreto Ad Aboldendam conclamando os príncipes seculares a combaterem os hereges em seus territórios. Após a tentativa de envio de missionários cistercienses e da conclamação de várias cruzadas contra os cátaros, o Papa Inocêncio III envia São Domingos de Guzmão e outros frades dominicanos como "inquisidores da fé". Estes realizariam o papel dos bispos no juízo e inquirição das heresias na qualidade de delegados representando o Papado. O Catarismo é um dos primeiros movimentos heréticos que assume uma natureza de contestação à ordem social, um dos primeiros movimentos de caráter notadamente violento entre os hereges. A Igreja via-se na necessidade de defender seu rebanho. Também os poderes seculares viam que era hora de agir com mais firmeza.

IV- Em 1231, o Papa Gregório IX instituiu oficialmente o Tribunal da Santa Inquisição, institucionalizando, organizando e regulamentando o esquema de tribunais eclesiásticos formados por delegados papais como havia instituído Inocêncio III anteriormente.

V- A Inquisição tratava-se de um tribunal eclesiástico, composto por clérigos e religiosos (embora em alguns períodos tenham havido inqusidores leigos também) com jurisdição unicamente sobre os batizados católicos. Buscava investigar casos de heresia dentro da Igreja, principalmente os heresiarcas (hereges que difundiam e propagavam suas heresias). Tratava de impor as penas espirituais (penitências, excomunhões, interditos), enquanto nos casos mais graves entregava os réus ao braço secular que aplicava as penas físicas e materiais (confisco de bens, demolição da casa ou morte). O esquema montado pelo tribunal era centrado na busca da confissão do réu e seu arrependimento, contrário ao sistema mais comum nos meios seculares da época, onde havia o chamado "duelo judiciário" (as duas partes duelavam e a parte vencedora do dito duelo era automaticamente a vencedora da causa jurídica). Mesmo com a autorização do uso da tortura (feita por pessoas enviadas pelas autoridades seculares) pelo Papa Inocêncio IV na bula Ad Extirpanda, esta era limitada em seu tempo e em suas formas (proibia-se mutilações, fraturas e derramamento de sangue), obrigando também sempre a presença de um médico nas sessões. Mesmo assim, o método mais utilizado para obter a confissão dos réus era o interrogatório (os manuais de inqusidores ensinavam a obter confissões apenas mediante o desenrolar da conversa com o réu).

VI- Os teólogos justificavam a utilização de penas físicas aos hereges não em virtude de suas crenças (pois a Igreja sempre considerou que não se pode converter à força), mas em virtude do perigo de que eles levassem outros a crerem em suas heresias (vide a argumentação de São Tomás de Aquino) e também em virtude de suas ações violentas de perturbação da ordem, o que dava ao poder secular pleno direito de agir.

VII- A Inquisição não autou em toda a Europa na Idade Média. Sua ação limitou-se mais à França, Itália, Sacro Império Romano (Alemanha, Áustria, Bohemia, etc) e Aragão. No final do século XV, o rei Fernando II de Aragão (que havia unido seu reino aos reinos de Castela e Leão mediante seu matrimônio com a rainha castelhana Isabel I) conseguiu do Papa Sixto IV a instituição de um Tribunal inquisitorial no restante da Espanha. Este era chefiado por um Inquisidor-geral, nomeado geralmente pelo rei (lembrando que a Inquisição papal tinha seu próprio Inquisidor-mor, nomeado pelo papa). Em Portugal, no século XVI, o rei D. João III obteu semelhante instituição em Portugal. Estes dois tribunais mais tarde acabaram se transformando em instrumentos de favorecimento do Absolutismo de seus monarcas, desviando-se do fim original.

VIII- Com o Concílio de Trento em fins do século XVI, o Papado reorganizou a Inquisição papal, agora chamado de Tribunal do Santo Ofício. Mesmo após o abandono dos poderes seculares na ação inquisitorial (e a abolição das inquisições em Portugal e Espanha no século XIX), o Santo Ofício continuou trabalhando na defesa da ortodoxia católica, estabelecendo as sanções e penas espirituais, mas agora não era mais um tribunal eclesiástico, mas um discatério da Cúria Romana. Paulo VI mudou o nome desse discatério para Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé.

IX- Devemos por fim entender a Inquisição dentro de seu contexto histórico (e não estou defendendo o erro historicista, pois falo no âmbito da práxis e não no âmbito doutrinário). A Inquisição foi uma ação conjunta da Igreja e dos poderes seculares (em o que hoje entenderíamos por Estados confessionais, frise-se) na tentativa de conter o avanço das heresias entre os membros da Igreja e de combater os movimentos heréticos de caráter violento. Foi pois uma tentativa de defender a fé e preservar a ordem pública, entendida dentro das ações e mentalidades próprias àquele contexto.
Certo é porém, que a Igreja nunca ensinou que se devesse converter as pessoas pela força (embora alguns príncipes cristãos o tenham feito - se por zelo desmedido ou interesses desonestos, não o sabemos). A Igreja não erra ao ensinar sobre fé ou moral, mas seus membros erram muitas vezes. Os papas sempre combateram os abusos dos maus inquisidores (pois houveram também inquisidores santos) e recentemente o Papa João Paulo II pediu perdão pelos erros dos membros da Igreja cometidos ao longo da História.
A Inquisição foi algo necessário para seu tempo, mas não encaixa-se mais (ao menos com era feita e estruturada na época) para os tempos atuais. Pois, embora as verdades de fé sejam imutáveis, a ação pastoral da Igreja muda conforme os tempos, lugares e necessidades. A pastoral preconizada pelo Concílio Vaticano II visa trazer os homens à verdade à unidade católica mediante o diálogo, embora continue admitindo-se o combate aqueles movimentos sectários e religiosos que ameaçem o convívio e a paz social, como os fanatismos e terrorismos.

Bibliografia consultada:
FALBEL, Nachman. Heresias Medievais. São Paulo: Perspectiva, 2005.
GONZAGA, João Bernardino. A Inquisição em seu Mundo. São Paulo: Saraiva, 1993.