segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Breve exposição sobre a Assunção da Virgem


É dogma da Igreja que a Virgem Maria, terminado o curso de sua vida terrena, foi elevada aos Céus de Corpo e Alma. Tal privilégio está intimamente ligado à sua Imaculada Conceição, bem como à sua maternidade Divina. Convinha que a Virgem Imaculada não sofresse a corrupção do sepulcro que os homens sofrem devido ao pecado (muito embora tenha morrido, para se assemelhar mais ao seu Divino Filho) e que como Tabernáculo do Deus Vivo, continuasse a estar junto à Sua Presença após sua morte. Pelo fato de ser Mãe de Deus, a Virgem foi honrada e amada por Cristo como santo e perfeitíssimo observante dos mandamentos que Ele é. Assim que, sendo Jesus Cristo Deus Onipotente, não há porque pensar que não concederia a Sua Mãe o privilégio de ser ressuscitada e elevada à Sua Presença antes da corrupção do sepulcro. Tal é o parecer de S. Francisco de Sales ao explicar que todo filho ressuscitaria sua mãe e a impediria de ser corrompida pelos vermes se o pudesse fazê-lo.

A Assunção da Virgem pode ser deduzida de algumas passagens implícitas da Sagrada Escritura, mas especialmente no Apocalipse, quando o Apóstolo São João vê a Virgem glorificada e coroada de estrelas, bem como quando a vê com asas sendo levada aos Céus para longe do Dragão.

A dormição (morte suave) e assunção da Santíssima Virgem é celebrada pela Liturgia da Igreja já desde o século IV, tendo sido celebrada primeiramente no Oriente. Os textos litúrgicos dessa festa demonstram com clareza que a dita solenidade não comemorava apenas a elevação da alma da Virgem aos Céus, mas também de seu corpo glorificado. Já na Antiguidade Tardia essa festa fora elevada como uma das principais solenidades litúrgicas da Virgem e na Alta Idade Média o Papa S. Nicolau I escrevera aos búlgaros afirmando que a Vigília e o jejum nessa festa era antigo costume na Igreja Romana. Há também o fato de que o mistério da Assunção já era contemplado também na recitação do Rosário, devoção essa sempre aprovada e promovida pela Sé Apostólica.

Os Santos Padres também referenciam-se várias vezes a essa verdade da assunção, lembrando que esta era conveniente à dignidade excelsa da Mãe de Deus e também uma forma de fazê-la participar mais intensamente da vida de Seu Filho.

"Convinha que aquela que no parto manteve ilibada virgindade conservasse o corpo incorrupto mesmo depois da morte. Convinha que aquela que trouxe no seio o Criador encarnado, habitasse entre os divinos tabernáculos. Convinha que morasse no tálamo celestial aquela que o Eterno Pai desposara. Convinha que aquela que viu o seu Filho na cruz, com o coração traspassado por uma espada de dor de que tinha sido imune no parto, contemplasse assentada à direita do Pai. Convinha que a Mãe de Deus possuísse o que era do Filho, e que fosse venerada por todas as criaturas como Mãe e Serva do mesmo Deus." (São João Damasceno, século VII. Encomium in Dormitionem Dei Genetricis semperque Virginis Mariae, hom. II, 14; cf. também ibid. n. 3)

"Vós [Maria], como está escrito, aparecestes 'em beleza'; o vosso corpo virginal é totalmente santo, totalmente casto, totalmente domicílio de Deus de forma que até por este motivo foi isento de desfazer-se em pó; foi, sim, transformado, enquanto era humano, para viver a vida altíssima da incorruptibilidade; mas agora está vivo, gloriosíssimo, incólume e participante da vida perfeita" (São Germano de Constantinopla, século VII. In Sanctae Dei Genitricis Dormitionem, sermo 1.)

No Ano Santo de 1950, o Papa Pio XII definiu a doutrina da Assunção como dogma, nos seguintes termos: “[...]com a autoridade de nosso Senhor Jesus Cristo, dos bem-aventurados apóstolos s. Pedro e s. Paulo e com a nossa, pronunciamos, declaramos e definimos ser dogma divinamente revelado que: a Imaculada Mãe de Deus, a Sempre Virgem Maria, terminado o curso da vida terrestre, foi assunta em corpo e alma à glória celestial.” (Constituição Apostólica Munificentissimus Deus, n. 44)

A Assunção é primeiramente um privilégio concedido por Deus à sua Mãe para que fosse dignamente honrada em vista de sua Imaculada Conceição e de sua Divina Maternidade, para que continuasse próxima a Seu Divino Filho e assim se unisse a Ele de forma mais plena e perfeita. Mas também, é uma lembrança da ressurreição que aguarda os justos no Dia do Juízo. Assim, a Assunção era conveniente por causa da excelsa Dignidade que Jesus Cristo designou para Sua Mãe, bem como para fomento da esperança dos cristãos e para dilatação de sua fé na ressurreição da carne.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Lourenço serviu o Sagrado Sangue de Cristo


A Igreja Romana apresenta-nos hoje o dia glorioso de São Lourenço quando ele calcou o furor do mundo, desprezou sua sedução e num e noutro modo venceu o diabo perseguidor. Nesta mesma Igreja – ouvistes muitas vezes – Lourenço exercia o ministério de diácono. Aí servia o sagrado sangue de Cristo; aí, pelo nome de Cristo, derramou seu sangue. O santo apóstolo João expôs claramente o mistério da ceia ao dizer: Como Cristo entregou sua vida por nós, também nós devemos entregar as nossas pelos irmãos (1Jo 3,16). São Lourenço, irmãos, entendeu isto; entendeu e fez; e da mesmíssima forma como recebeu daquela mesa, assim a preparou. Amou a Cristo em sua vida, imitou-o em sua morte.

Também nós, irmãos, se de verdade amamos, imitemos. Não poderíamos produzir melhor fruto de amor do que o exemplo da imitação; Cristo sofreu por nós, deixando-nos o exemplo para seguirmos suas pegadas (1Pd 2,21). Nesta frase, parece que o apóstolo Pedro quer dizer que Cristo sofreu apenas por aqueles que seguem suas pegadas e que a morte de Cristo não aproveita senão àqueles que caminham em seu seguimento. Seguiram-no os santos mártires até à efusão do sangue, até à semelhança da paixão; seguiram-no os mártires, porém não só eles. Depois que estes passaram, a ponte não foi cortada; ou depois que beberam, a fonte não secou.

Tem, irmãos, tem o jardim do Senhor não apenas rosas dos mártires; tem também lírios das virgens, heras dos casados, violetas das viúvas. Absolutamente ninguém, irmãos, seja quem for, desespere de sua vocação; por todos morreu Cristo. Com toda a verdade, dele se escreveu: Que quer salvos todos os homens, e que cheguem ao conhecimento da verdade (1Tm 2,4).

Compreendamos, portanto, como pode o cristão seguir Cristo além do derramamento de sangue, além do perigo de morte. O Apóstolo diz, referindo-se ao Cristo Senhor: Tendo a condição divina, não julgou rapina ser igual a Deus. Que majestade! Mas aniquilou-se, tomando a condição de escravo, feito semelhante aos homens e reconhecido como homem (Fl 2,7-8). Que humildade!

Cristo humilhou-se: aí tens, cristão, a que te apegar. Cristo se humilhou: por que te enches de orgulho? Em seguida, terminada a careira desta humilhação, lançada por terra a morte, Cristo subiu ao céu; sigamo-lo. Ouçamos o Apóstolo: Se ressuscitastes com Cristo, descobri o sabor das realidades do alto, onde Cristo está assentado à destra de Deus (Cl 3,1).


(Dos sermões de Santo Agostinho de Hipona, Bispo e Doutor da Igreja. Sermo 304, 1-4. : PL 38, 1395-1397)

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Recomendações à misericórdia pelo Beato Álvaro Pelayo

"A criatura racional recomenda-nos a misericórdia, quando os varões santos a ela nos exortam com seus santos exemplos.
Item, o exemplo dos santos. Especialmente nos exorta à misericórdia o exemplo de Cristo Homem, que sofreu misericordiosamente por nós. Foi a misericórdia que fez baixar o Filho do Céu e o revestiu de corpo. Segundo Agostinho, ela mesma também o fez pobre, e o vendeu para redenção dos pobres. Agostinho: 'Vendido redimiu-nos, e morto vivificou-nos'. A misericórdia humilhou-O até a ablução dos pés dos discípulos.
À recomendação da misericórdia também serve o facto de ela mais que tudo agradar a Deus, desagradar ao diabo, e ser útil ao homem. [...] A razão por que a misericórdia agrada tanto ao Senhor é que nos assemelha muitíssimo a Deus [...].
[...]
Cristo aconselhou, de modo especial, a misericórdia. Em Mateus, XIX: 'Se queres ser perfeito, etc.' Em Lucas, XI: 'O que te sobra, dá-o de esmola'. No Dia de Juízo, Cristo julgará pelas obras de misericórdia (Mateua, XXV).
A misericórdia muito desagrada ao diabo. Agostinho: 'Coisa nenhuma vence tanto o diabo inimigo como a misericórdia. É principalmente com ela que o homem o vence, porque o diabo é cruel e não se compadece (Jeremias, VI)'.
[...]
A misericórdia livra da escravidão do diabo. Em Isaías, X: 'o jugo (a saber, o diabo) apodrecerá por causa do azeite (isto é, da misericórdia)'. E chama-se azeite à misericórdia, porque assim como o azeite sobrenada os outros líquidos, assim a obra de misericórdia ultrapassa as outras obras.
A misericórdia também faz ressurgir da morte espiritual, tal como Dorcas, cheia de boas obras e esmolas, que fazia, mereceu a ressurreição do corpo (Actos, IX). A misericórdia merece ser vistada pelo Senhor, como se lê de Cornélio (Actos, X). Era Cornélio um homem que fazia muitas esmolas, etc., e diz-lhe um anjo: As tuas orações e as tuas esmolas subiram como um memorial à presença do Senhor.
[...]
A misericórdia muito pode perante Deus, porque parece revogar a Sua sentença, como sucedeu com os Ninivitas (Jonas, III).
A misericórdia vence a Deus. Pelo que diz a Igreja: 'E ela Te vence com a clemência, para que suportes os nossos crimes'.
[...]
A misericórdia fez descer o Filho de Deus ao mundo. Ela mesma faz subir os homens ao Céu. [...]."

(Bem Aventurado Álvaro Pelayo, OMin, Bispo de Silves (1275-1350). Speculum Regum, II. Anos 1341-1344. Referência da edição: PAIS, Álvaro. O Espelho dos Reis (Speculum Regum). Vol. II. Tradução de Miguel Pinto de Menezes. Lisboa: Instituto de Alta Cultura, 1963, pp. 415-423.)