segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Sermão nº 23 de São Leão Magno sobre o Natal do Senhor


"Já muitas vezes, caríssimos, ouvistes falar e fostes instruídos a respeito do mistério da solenidade de hoje; porém, assim como a luz visível enche sempre de prazer os olhos sadios, também aos corações retos não cessa de causar regozijo a natividade do Senhor.

Jamais devemos deixá-la transcorrer em silêncio, embora não possamos condignamente explaná-la, pois aquela palavra: "a sua geração, quem a poderá explicar?"(Jo 53, 8) se refere certamente não só ao mistério pelo qual o Filho de Deus é co-eterno com o Pai, mas ainda a este nascimento em que "o Verbo se fez carne" (Jo 1, 14).

O Filho de Deus, que é Deus como seu Pai, que recebe do Pai sua mesma natureza, Criador e Senhor de tudo, que está presente em toda parte e transcende o universo inteiro, na seqüência dos tempos que, de sua providência dependem, escolheu para si este dia, a fim de, em prol da salvação do mundo, nele nascer da bem-aventurada Virgem Maria, conservando intacto o pudor de sua mãe. A virgindade de Maria não foi violada no parto, como não fora maculada na conceição, "a fim de que se cumprisse - diz o evangelista - o que foi pronunciado pelo Senhor, através do profeta Isaías: Eis que uma virgem conceberá no seu seio e dará à luz um filho, ao qual chamarão Emanuel, que quer dizer Deus conosco" (Mt 1, 23; Cf. Is 7, 14).

O admirável parto da sagrada Virgem trouxe à luz uma pessoa que, em sua unicidade, era verdadeiramente humana e verdadeiramente divina, já que as duas naturezas não conservaram suas propriedades de modo tal que se pudessem distinguir como duas pessoas: não foi apenas ao modo de um Habitador em seu habitáculo que o Criador assumiu a sua criatura, mas, ao contrário, uma natureza como que se adicionou à outra. Embora duas naturezas, uma a assumente e outra assumida, é tal a unidade que formam, que um único e mesmo Filho poderá dizer-se, enquanto verdadeiro homem, menor que o Pai (Jo 14, 38) e enquanto verdadeiro Deus, igual ao Pai (Jo 10, 30).

Uma unidade dessas, caríssimos, entre Criador e criatura, o olhar cego dos arianos não pôde entender, os quais, não crendo que o Unigênito de Deus possua a mesma glória e substância do Pai, afirmaram ser menor a divindade do Filho, argumentando com as palavras (evangélicas) que dizem respeito à forma de servo (Fl 2, 6).

Ora, o próprio Filho de Deus, para mostrar como essa condição de servo nele existente não pertence a uma pessoa estranha e distinta, com ela mesma nos diz: "eu e o Pai somos uma só coisa" (Jo 10, 30)

Na natureza de servo, portanto, que ele, na plenitude dos tempos, assumiu em vista da nossa redenção, é menor do que o Pai; mas na natureza de Deus, na qual existia desde antes dos tempos, é igual ao Pai. Em sua humildade humana, foi feito da mulher, foi feito sob a Lei (Gl 4, 4), continuando a ser Deus, em sua majestade divina, o Verbo divino, por quem foram feitas todas as coisas (Jo 1, 3). Portanto, aquele que, em sua natureza de Deus, fez o homem, revestiu uma forma de servo, fazendo-se homem; é o mesmo o que é Deus na majestade desse revestir-se e homem na humildade da forma revestida. Cada uma das naturezas conserva integralmente suas propriedades: nem a de Deus modifica a de servo, nem a de servo diminui a de Deus. O mistério, pois, da força unida à fraqueza, permite que o Filho, em sua natureza humana, se diga menor do que o Pai, embora em sua natureza divina lhe seja igual, pois a divindade da Trindade do Pai, do Filho e do Espírito Santo é uma só. Na Trindade o eterno nada tem de temporal, nem existe dissemelhança na divina natureza: lá a vontade não difere, a substância é a mesma, a potência igual, e não são três Deuses, unidade verdadeira e indissociável é essa, onde não pode existir diversidade.

Nasceu pois numa natureza perfeita e verdadeira de homem o verdadeiro Deus, todo no que é seu e todo no que é nosso. "Nosso" aqui dizemos que o Criador criou em nós no início, e depois assumiu para restaurar. O que, porém, o sedutor (o demônio) introduziu e o homem, ludibriado, aceitou, isso não teve nem vestígio no Salvador, pois comungando com nossas fraquezas não participou dos nossos delitos. Elevou o humano sem diminuir o divino, dado que a exinanição em que o Invisível se nos mostrou visível foi descida de compaixão, não deficiência de poder.

Assim, para sermos novamente chamados dos grilhões originais e dos erros mundanos à eterna bem-aventurança, aquele mesmo a quem não podíamos subir desceu até nós. Se, realmente, muitos eram os que amavam a verdade, a astúcia do demônio iludia-os na incerteza de suas opiniões, e sua ignorância, ornada com o falso nome de ciência, arrastava-os a sentenças as mais diversas e opostas. A doutrina da antiga Lei não era bastante para afastar essa ilusão que mantinha as inteligências no cativeiro do soberbo demônio. Nem tampouco as exortações dos profetas lograriam realizar a restauração de nossa natureza. Era necessário que se acrescentasse às instituições morais uma verdadeira redenção, necessário que uma natureza corrompida desde os primórdios renascesse em novo início. Devia ser oferecida pelos pecadores uma hóstia ao mesmo tempo participante de nossa estirpe e isenta de nossas máculas, a fim de que o plano divino de remir o pecado do mundo por meio da natividade e da paixão de Jesus Cristo atingisse as gerações de todos os tempos e, longe de nos perturbar, antes nos confortasse a variação dos mistérios no decurso dos tempos, desde que a fé, na qual hoje vivemos, não variou nas diversas épocas.

Cessem, por isso, as queixas dos que impiamente murmuram contra a divina providência e censuram o retardo da natividade do Senhor, como se não tivesse sido concedido aos tempos antigos o que se realizou na última idade do mundo. A Encarnação do Verbo podia conceder, já antes de se realizar, os mesmos benefícios que outorga aos homens, depois de realizada; o ministério da salvação humana nunca deixou de se operar. O que os apóstolos pregaram, os profetas prenunciaram; não foi cumprido tardiamente aquilo a que sempre se prestou fé. A sabedoria, porém, e a benignidade de Deus, cem essa demora da obra salutífera, nos fez mais capazes de nossa vocação, pois o que fora prenunciado por tantos sinais, tantas vezes e tantos mistérios, poderíamos reconhecer sem ambigüidade nestes dias do Evangelho. A natividade, mais sublime do que todos os milagres e do que todo o entendimento, geraria em nós uma fé tanto mais firme quanto mais antiga e amiudada tivesse sido antes sua pregação. Não foi, pois, por deliberação nova ou por comiseração tardia que Deus remediou a situação do homem, mas, desde a Criação do mundo instituíra uma e mesma causa de salvação, para todos. A graça de Deus, que justifica os santos, foi aumentada com o nascimento de Cristo, não foi simplesmente principiada. E esse mistério da compaixão, esse mistério que hoje já enche o mundo, fora tão potente em seus sinais prefigurativos que todos os que nele creram, quando prometido, não conseguiram menos do que os que o conheceram realizado.

São assim, caríssimos, tão grandes os testemunhos da bondade divina para conosco que, para nos chamar à vida eterna, não apenas nos ministrou as figuras, como aos antigos, mas a própria Verdade nos apareceu, visível e corpórea. Não seja, portanto, com alegria profana ou carnal que celebremos o dia da natividade do Senhor. celebra-lo-emos dignamente se nos lembrarmos, cada um de nós, de que Corpo somos membros e a que Cabeça estamos unidos, cuidando que não se venha a inserir no sagrado edifício uma peça discordante.

Considerai atentamente, caríssimos, sob a luz do Espírito Santo, quem nos recebeu consigo e quem recebemos conosco: sim, como o Senhor se tornou carne nossa, nascendo, também nós nos tornamos seu Corpo, renascendo. Somos membros de Cristo e templos do Espírito Santo e por isto o Apóstolo diz: "Glorificai e trazei a Deus no vosso corpo" (1Cor 6, 20). Apresentando-nos o exemplo de sua humildade e mansidão, o Senhor comunica-nos aquela mesma força com que nos remiu, conforme prometeu: "Vinde a mim, vós todos, que trabalhais e estais sobrecarregados, e eu vos reconfortarei. Tomai o meu jugo sobre vós e aprendei de mim que sou manso e humilde de coração, e encontrareis repouso para vossas almas" (Mt 11, 28s).

Tomemos, portanto, o jugo, em nada pesado e em nada áspero, da Verdade que nos guia e imitemos na humildade aquele a cuja glória queremos ser configurados. Que nos auxilie e nos conduza às suas promessas quem em sua grande misericórdia é poderoso para apagar nossos pecados e completar seus dons em nós, Jesus Cristo, nosso Senhor, que vive e reina pelos séculos dos séculos. Assim seja."



(PL 54, 199ss.) Extraído de: http://www.ecclesia.com.br/biblioteca/pais_da_igreja/s_leao_magno_sermao23_natal_do_senhor.html

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Por Dr. Rafael Vitola Brodbeck, Delegado de Polícia
Dia desses, escrevi o seguinte, em inglês, a amigos dixies (sulistas americanos, herdeiros da tradição dos confederados da Guerra Civil), sobre nossa semelhança com eles:

A Revolução Farroupilha ou Guerra dos Farrapos foi uma guerra civil entre o Império e o Rio Grande do Sul, o qual tem uma cultura própria, a cultura gaúcha, a mesma que na Argentina e Uruguai. O Rio Grande tem uma identidade própria, muito semelhante ao do sul dos Estados Unidos, e totalmente diferente do resto do Brasil. Nós, no Rio Grande do Sul, falar português mas com sotaque espanhol e palavras em espanhol, nossas danças, música, comida e roupas são argentino / uruguaio. Aqui, temos temperaturas frio e da neve, ao contrário do Brasil. Nós, no Rio Grande do Sul, adoramos a nossa bandeira - que é a mesma usada na Revolução Farroupilha - talvez até mais do que a bandeira brasileira, assim como as dixies fazer com a sua bandeira confederada.

Até hoje, comemoramos a Revolução com festas, desfiles a cavalo, trajes típicos, honrando os nossos generais e os heróis do Rio Grande, a cada ano. E reencenamos batalhas em nossos sítios históricos. Rio Grande do Sul e sul dos Estados Unidos são gêmeos.

O mesmo ocorre na Argentina e no Uruguai, ao celebrar Artigas, Urquiza, San Martin, Mitre, em suas guerras intestinas e na independência das províncias do Prata.

Havia várias correntes de pensamento na Revolução. E a de Garibaldi, embora importante, era uma minoria. É uma "legenda negra" o ideal maçônico da Revolução Farroupilha. Os maçons estavam também no Império (lembre-se D. Vital?)... E havia católicos na Farroupilha. Sim, o Império não era um tirano "per se", mas com o centralismo (com o iluminista D. Feijó na Regência) e o anti-federalismo do Segundo Império, com muitos impostos, havia se tornado um.

Havia maçons entre os farroupilhas, como os havia no Império. Grande parte dos líderes farroupilhas (como o principal, o Gen Bento Gonçalves) eram conservadores e ao menos simpatizantes da monarquia (Bento Gonçalves apenas TOLEROU a independência feita pelo Gen. Netto na sua AUSÊNCIA - eis que estava preso - e mesmo assim para chamar a atenção do Império contra os altos impostos).

O inimigo dos farroupilhas não era o Imperador Pedro II, mas Feijó e os pseudo-conservadores e centralistas. O objetivo do Revolução não foi necessariamente a implantação da república, mas do federalismo. O epíteto de "liberal" em Farroupilha não foi ao estilo maçônico, necessariamente, mas contra o centralismo e a favor do federalismo - à semelhança dos "federales", herdeiros do uruguaio Artigas, nas guerras intestinas argentinas contra os unitários.

Bento Gonçalves, em 1835, disse respeitar o juramento que tinha feito ao código sagrado, ao trono e à manutenção da integridade constitucional do Império. Em princípio, portanto, a revolta não era um caráter separatista, mas se dirigia contra o Presidente da Província do Rio Grande e contra o Comandante das Armas.

Os farroupilhas queriam paz e estavam prontos para se juntar ao Exército Imperial, no qual lutaram bravamente na Guerra do Paraguai. Os herdeiros dos farroupilhas foram os maragatos na Revolução Federalista de 1895 contra a República maçônica e positivista. E alguns dos maragatos eram pró-monarquia e queriam restaurar o Império. O federalismo do maragatos foi o mesmo dos farroupilhas.

De fato, Bento Gonçalves foi um dos entusiastas do Tratado do Ponche Verde, que fez a paz com o Império. A separação nunca foi o objetivo da maioria dos farroupilhas, mas, como escrevi, a luta contra a Regência, o centralismo e a "taxation with no representation". Eu sou um monarquista e também um farroupilha. Recusando, de fato, a ajuda de argentinos e uruguaios, o general David Canabarro, herói farrapo e amigo de Bento Gonçalves, disse: "Com o sangue do primeiro castelhano a cruzar a fronteira, assinaremos a paz com o Império." A luta foi pelo federalismo, não necessariamente contra o Brasil. Aliás, anos mais tarde, os mais bravos soldados do Brasil na guerra contra o Paraguai, foram farroupilhas antigos ou os seus filhos.

As duas novas repúblicas da Guerra dos Farrapos foram transitórias, para forçar o Império a rever os impostos e implantar o federalismo real (como os maragatos, mais tarde). Mas, sim, havia infiltração maçônica, mas os "pedreiros-livres" estavam também entre os militares do Império, com yankees, com os confederados etc.

Outras informações: a Constituição da República Riograndense, inaugurada pela Revolução Farroupilha, previa a Igreja Católica Romana como a religião oficial do Estado; os principais eventos foram celebrados nas igrejas paroquiais, onde eles cantaram o Te Deum; Bento Gonçalves utilizou as lojas maçônicas como um lugar de conspiração para o seu segredo, mas ele mesmo não era maçom proeminente, nem tinha comunhão com os ideais carbonários - como Garibaldi tinha; Bento Gonçalves mandava celebrar a Missa de Requiem para as almas dos farroupilhas e INIMIGOS IMPERIAIS mortos em campos de combate, e venerava os sacerdotes, não permitindo, além disso, que as igrejas protestantes tinham aspecto exterior da igreja; havia capelães oficiais com o Exército dos farrapos; a maioria do clero católico apoiou a Revolução; Pe. Chagas foi declarado como vigário apostólico por Bento Gonçalves, invocando o direito do Padroado, e foi solicitada a confirmação do Papa, que não a deu porque a consumação da separação não foi finalizada.

É uma prova substancial de que os farroupilhas queriam permanecer católicos, não-maçônicos (um pequeno grupo, liderato por Garibaldi era maçônico e anticlerical). Após a pacificação do Rio Grande, o Império e a Santa Sé confirmaram o desejo dos farroupilhas em ter uma diocese, e a criou em Porto Alegre; muitos sacerdotes farroupilhas, como padres Fidêncio, Lobato e Caldas, foram confirmados, depois da paz, como sacerdotes no RS, e distinguiram-se como construtores de igrejas e apóstolos vigorosos, mesmo durante a guerra.

Um padre farroupilha, Pe. Lobato foi, após a guerra, secretário do bispo.

Um outro sacerdote farroupilha, Pe. Hildebrando, pároco de Bagé, morreu com a odor de santidade.

Gaúcho: forjado em Pólvora e Sangue

Por Dr. Rafael Vitola Brodbeck
Delegado de Polícia em Santa Vitória do Palmar

Há 177 anos, um grito independentista consolidava a epopéia de uma nação. Longe de ser uma revolta contra o Brasil, a afirmação de um sentimento de amor ao pago, desprezado, já naquela época, pelo poder central, a Revolução Farroupilha inscreve-se na história como o manancial de onde brotam as águas vivas a banhar a alma pampeana.

É bem verdade que o gaúcho não nasceu em 1835, e que, antes da dita Revolução, outras guerras o acompanhavam. Podemos, de fato, dizer que, desde a gênese desse centauro das planícies da América do Sul, as escaramuças lhe fizeram escolta. O gaúcho, seja o riograndense, seja o rioplatense, vive e se alimenta dos combates. Na Argentina, no Uruguai ou no Rio Grande, o gaúcho se vê, sempre, às voltas com a guerra: ou dela participa, ou dela descansa, ou para ela se prepara, quando dela não cura as feridas.

E na história de cada um dos três povos gaúchos – ou um só povo gaúcho sob três bandeiras –, o derramamento de sangue, por vezes injusto, mas, na maioria delas, cercado e abastecido por um valor maior, se viu não só vivamente presente como cantado em poesias e payadas, a rememorar seu passado ibérico na luta contra o mouro invasor.

Se ao gaúcho argentino ou uruguaio outras lutas falam mais alto, e se mesmo ao gaúcho do sul do Brasil pelejas anteriores não lhe deixam de marcar o lombo, foi, certamente, a Guerra dos Farrapos a que mais calou fundo em nossa alma. Já tínhamos, os riograndenses, tantos sinais das investidas bélicas desde o aparecimento na pampa desse vaqueano, misto de índio, negro, português e espanhol: recorridas pelo estabelecimento das fronteiras, defesa das estâncias, e, é triste constatar, duelos fratricidas, forjaram o espírito gauchesco. E isso a tal ponto que mesmo a técnica campeira das fazendas é um arremedo da guerra, e o peão não deixará sua faca e seu revólver nem mesmo na visita ao bolicho ou no namoro de porteira. A estância era o castelo feudal dos nossos campos, e os campesinos os soldados sempre prontos a cumprir seu dever de lealdade pelo patrão. A vida civil, se existia no Rio Grande e nos países do Prata, era apenas o interstício entre duras pugnas. O tilintar das espadas, o estouro dos canhões, as cargas de cavalaria, são, para o gauchismo, a sinfonia que rege sua vida e acompanha o desdobrar dos acontecimentos mais importantes do estabelecimento de sua pátria.

O militarismo, pois, faz parte da vida do homem sulino, ainda que seja paisano. Até os esportes por aqui são imitação da batalhas: que o diga o estilo aguerrido de jogar futebol, ou o fato de chamarmos aos uniformes dos jogadores “fardamento”, ou indicarmos que a função do goleiro é atacar – até a defesa, que é a atividade do goleiro, se torna um ataque, bem típico de um povo ativo e altivo.

Não se menospreze, entretanto, por isso, o poder mítico do decênio heróico. De 1835 a 1845, o Rio Grande de São Pedro, ao pegar em armas contra um centralismo absolutamente incompatível com as tradições cristãs de subsidiariedade e auto-afirmação dos povos, não inaugura, é verdade, nossas guerras nem funda o gaúcho. Todavia, fixa na mentalidade do sul-riograndense seus mais altos ideais. A Revolução Farroupilha é a síntese de todas as guerras da pampa. Se não cria o gauchismo, o consolida, marca profundamente sua cerviz. Todas as batalhas de antes e todas as lutas que virão – e não serão poucas, como atestam os sangrentos combates de 1893 e 1923, e até mesmo a unificação das forças políticas do Estado para a vitória montada a cavalo de 1930 –, conectam-se, indissoluvelmente, ao manifesto farrapo.

É a Guerra de 35 que molda o gaúcho, é ela que se torna o combate por antonomásia. Sem ela, o gaúcho existiria, como, de fato, já existia. Sem ela, o gaúcho lutaria, como, de fato, já lutava. Igualmente sem ela, porém, ele, ao menos o gaúcho brasileiro, não seria o que é hoje, e lhe faltaria no peito um coração como o que bate, tal qual um bumbo legüero, ao contemplar, hasteado, o pavilhão tricolor e, cintilando, a chama que se inflama nas centelhas dos galpões Rio Grande afora!

Viva o 20 de Setembro! Viva a liberdade do povo gaúcho! Que nossa glória e sangue sejam a exaltação da pátria e o orgulho do Brasil!

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Vocação história da Província de São Pedro


Por Dr. Rafael Vitola Brodbeck - Delegado de Polícia
Nossa abençoada terra gaúcha é destinada por Deus a protagonizar uma legítima contra-revolução cultural. Por sua história virtuosa, cumpre ao Rio Grande responder com altivez e generosidade o chamado para cumprir sua singular vocação!

Fundado sobre o vigor apostólico dos jesuítas missioneiros, que não hesitaram em organizar os nativos para sua civilização e para a plantação de valores morais e religiosos autenticamente cristãos, nosso Continente de São Pedro tem diante de si a contemplação de seu passado para melhor conduzir o presente rumo a um futuro onde a Cristandade e os verdadeiros pilares da virtude alicercem o modus vivendi de toda a nação brasileira. Como a batalha de Guararapes formou a civilização brasílica, as guerras nas quais moldamos nossos heróis, por seu sangue, sofrimento, perdas e vitórias, implantaram como que fundamentalmente na alma do gaúcho o desejo de doar sua vida para realizar a missão encomendada pela Providência.

Ainda que com legítimas adaptações ao jeito de ser do campeiro, a cultura reinante no Rio Grande, tipicamente européia, nos forneceu uma ampla formação humanística e católica. Primando pela sacralização das estruturas temporais, tudo remetendo a Deus, a despeito das penetrações ideológicas iluministas, maçônicas e positivistas, que tentaram – infelizmente com algum sucesso – incutir o laicismo, o racionalismo anticristão e o relativismo entre o povo rio-grandense, sempre o espírito de luta, mesmo que por vezes com objetivos equivocados, e o sentimento de defesa da pátria e dos ideais, foram o norte a apontar o caminho por onde nossa raça deveria triunfar. A vontade aguerrida dos farroupilhas, que fundaram seu movimento inicialmente sem pretensões separatistas, e que aceitando, em 1845, submeter-se à Coroa Imperial, não o fizeram por covardia ou rendição, senão com a firme esperança de ter seus objetivos maiores alcançados, deve servir de espelho para que analisemos a atitude de nossa geração. Temos de mirar o heroísmo dos gaúchos que não mediram dificuldades ao defender as fronteiras do Brasil, desde as pelejas pela posse e demarcação do território até a guerra contra o despotismo do cruel ditador paraguaio, Solano Lopez.

Ao lado dos perniciosos ares liberais, ventilados pelo agnosticismo – espécie de ateísmo prático, covarde e sem compromisso – e por todos que se opunham à autêntica Civilização Católica, sobrevivia, no pretérito de nossas plagas, uma inexpugnável mentalidade sadiamente conservadora, hierárquica, e, por isso mesmo, cristã.

Amálgama de indígenas guerreiros e determinados, cultores da liberdade, mas que aprenderam com sabedoria o valor de uma sociedade civilizada; de valentes espanhóis, descendentes de cruzados e cavaleiros andantes, marcados na alma com as glórias da Reconquista contra os mouros; e de intrépidos portugueses que ousaram assenhorear-se dos oceanos para o bem da humanidade, o tipo inicial do gaúcho é vocacionado a protagonizar a batalha pela retomada de valores sagrados, e impregnar com eles todos os aspectos de sua vida.

Da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, há de se ouvir o clarim incitando ao combate... E que todos os que se julgam corajosos ouçam a trombeta sem pestanejar, honrando a tradição de tantos soldados destemidos com os quais presenteamos nosso amado país!

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Para quem deve governar um prefeito?


É recorrente em períodos eleitorais alguns candidatos apresentarem uma dicotomia, entre o governante ruim que  governa para as elites (especialmente no sentido econômico) e o governante bom, a alternativa ao mal, aquele que governaria para os trabalhadores. Ora, na Câmara dos Vereadores, é compreesível que haja vereadores que desejem representar mais especificamente um setor da sociedade... geralmente, um enfermeiro irá se candidatar para lutar por melhoriais em hospitais e postos de saúde, a professora para batalhar por melhores condições de trabalho e estudo nas escolas, etc. Mas tal discurso não cabe em um candidato a Prefeitura. O Prefeito, na qualidade de chefe do Poder Executivo Municipal, deve ser o líder, aquele que governa (embora geralmente tenha sido votado pela maioria e não por unanimidade) em nome de todos os cidadãos do Município. Deve ser, no âmbito local, aquele que equilibra os vários componentes da Cidade, aquele que, embora represente um partido e sua bandeira, enquanto está a frente de seu gabinete, é o Prefeito de toda a Cidade, devendo governar para todos.
Claro que um Prefeito geralmente estará mais ligado a um grupo do que aos outros, mas deve ter sempre ciência (também deve tê-la o eleitor!) de que não é Prefeito somente dos coligados ou dos que o elegeram, mas de todo o Município, devendo portanto governar em proveito do Bem Comum e não ser um catalisador dos conflitos e divergências internas. Em sínetese: o Prefeito não deve ter uma mentalidade de "luta de classes" que, além de gritantemente anacrônica, nada faz além de dividir os cidadãos e aumentar as tensões. Nada resolve.
Essas reflexões me vieram a mente depois de ver em um debate um candidato a prefeito repetir inúmeras vezes que pretendia fazer um governo "para os trabalhadores". Ora, se uma oligarquia das elites é uma perversão da busca do Bem Comum na sociedade, igualmente o é uma demagogia do proletariado (se é que ainda se pode falar nesse termo, dado que nossa sociedade é muito mais complexa e heterogênea do que aquela da Revolução Industrial oitoscentista), demagogia essa que nada faz além de transformar os trabalhadores em massa de manobras do Estado e das ideologias.

A educação integral em pauta nas eleições municipais 2012

Assistindo o horário eleitoral, percebi que vários candidatos defendem a educação pública em período integral. Acho que a educação integral é uma opção válida e salutar, mas sou contra a imposição dela como obrigatória pelo Estado, dado as diferentes circunstâncias de cada contexto, bem como a liberdade e pluralidade de métodos garantida pela Constituição. Ademais, qualquer medida em prol da educação que não priorize a melhoria da qualidade (o que não significa necessariamente mais horas ou conteúdos) e uma educação livre do mainstream ideológico (quem leciona História sabe bem o que isso quando analisa os livros didáticos!) se revelará obsoleta e mera política de fachada.
A recente política de 50% de Cotas em Universidades públicas, aprovada pelo Senado e sancionada pela Presidente da República mostra claramente a tendência demagógica do governo usar-se de números e estatísticas educacionais para se promover enquanto a qualidade do ensino universitário é denegrida, o investimento e a qualidade da escola pública relegado ao esquecimento e todo o sistema de ensino se direcionando cada vez mais para um controle de natureza ideológica e esquerdopata.
Uma educação de fachada, um crime contra a inteligência, o anseio de saber e a capacidade de todos os brasileiros! O dever da educação é primordialmente dos pais, das famílias, devendo o Estado atuar na educação de forma subsidiária. Isso acarreta o direito, da parte dos pais, de escolherem para os filhos as escolas e métodos pedagógicos que julgarem mais apropriados para a formação de seus filhos. Assim, é necessário que o Estado garanta essa pluralidade de métodos e o protagonismo das famílias, a fim de que nossa educação seja verdadeiramente livre e formadora de consciências e não apenas marionetes stalinistas.
Ficai atentos nessas eleições para as propostas educacionais dos candidatos! Procurai saber que tipo de educação eles defendem quando dizem o já esganiçado clichê de "promover e melhorar a educação"!

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Recordando o gosto pela História em meio à correria...

Ainda lembro com saudosismo de quando li a obra Carlos Magno (São Paulo: Estação Liberdade, 2004), monumental estudo do medievalista Jean Favier sobre uma das maiores pesonalidades da História do Ocidente Medieval, lá pelos idos de 2004, antes mesmo de entrar na faculdade... passava dias inteiros devorando o denso livro, especialmente em finais de semana e nas horas de hotel durante viagens. Me afieçoei pelo livro e me interessei pela análise, muito embora minha capacidade de reter a complexidade do estudo de Favier ainda fosse bastante limitada. Hoje, ao repassá-la brevemente para colher algumas informações sobre Carlos Magno para colocar na dissertação (haja vista Álvaro Pelayo erigi-lo como um de seus modelos de monarca em seu Speculum Regum (há uma edição em 2 volumes, provida do texto orginial latino e da tradução portuguesa de Miguel Pinto de Menezes - Lisboa: Instituto de Alta Cultura: Vol. I-1955 e Vol. II-1963), redigido entre 1341-1344, portanto alguns séculos já distantes do grande rei franco) me surpreendi com a beleza e profundidade dessa obra! Me deu vontade de devorar este livro novamente e, de fato, o farei assim que concluir meu mestrado.
O período carolíngio sempre me fascinou e foi ele quem fez com que eu entrasse decididamente para a área de Medieval durante a faculdade. Pois bem, os historiadores tem certas ligações afetivas com alguns aspectos do passado que os cativam de forma especial. Talvez seja esse gosto que impulsione sua curiosidade e ação em busca da pesquisa exaustiva de fontes e análises historiográficas...

O gosto pela História, que cultivo desde criança (o que seria um assunto para um outro post...) potencializou-se bastante nos anos de Ensino Médio, quando já estava decidido a prestar vestibular para História, tanto pelo seu aspecto docente quanto pela área da pesquisa. Ambos me fascinavam... a curiosidade e a paixão pela História humana me moviam a uma pesquisa sempre constante, sempre achava-me lendo sobre algo. Mas também me atraia a idéia de ensinar e transmitir o conhecimento adquirido... recordando aquilo que diz Dante Alighier de que o homem deve ser como uma rosa, espalhando para fora o perfume de seu interior ("Convém que o homem se abra como uma rosa que não pode permanecer fechada, e o perfume que ela gerou em seu interior deve se espargir." - Convívio, IV, XXVII). Nesse sentido, creio que  sempre mative aquela espírito da criança que se maravilha diante das mais pequenas e simples descobertas e deseja compartilhá-las com todo mundo. Por isso sempre gostei de conversar sobre História e compartilhar o saber com os demais... mas continuemos.
 
No período do Ensino Médio, minhas economias foram investidas em materiais sobre História... algumas compras revelaram-se futuramente pouco acertadas, como algumas revistas não-acadêmicas sobre História (especialmente ligadas a Superinteressante). Algo compreensível em um adolescente ávido de saber mas que está buscando material de pesquisa sem muito direcionamento... mas, algumas compras feitas em meu setor eternamente favoritor dos Shopping Centers (ao lado dos Cafés, claro...), as Livrarias, foram muito bem acertadas e as levei para a minha posterior formação. Destaco, além da obra monumental de Favier já anteriormente citada, dois livros:
* Bizâncio: A Ponte da Antiguidade para a Idade Média (Rio de Janeiro: Imago, 2002) de Michael Angold. Uma das primeiras aquisições. Era, se bem me lembre, num período de férias (não recordo se de verão ou inverno...) e havíamos aproveitado para fazermos uma série de consultas de chekcup... por isso,m acabei devorando o livro rapidamente, lendo-o com intenso gosto nas salas de espera dos consultórios. Enfim, o livro faz um esboço da História da cidade de Bizâncio/Constantinopla desde sua fundação até os enfrentamentos entre bizantinos e normandos no século XI, mostrando a História dessa cidade e a relação do Império que dela emanava com outras regiões e culturas como uma forma de entender as transformações que marcam a passagem do mundo antigo para o mundo medieval.
História da Idade Média: Textos e testemunhas de Maria Guadalupe Pedrero-Sánchez (São Paulo: Editora da Unesp, 2000). Comprei-o também por volta de 2004, interessado pela sua intensa compilação de extratos de fontes e documentos de vários lugares e épocas do medievo. Mal sabia eu que, como diria-me um saudoso professor da Faculdade, "o estudo das fontes é indispensável para o ofício do historiador". Fiquei surpreso e contente ao ver esta obra ser escolhida como manual das aulas de História Medieval ocidental no segundo período do meu curso de Licenciatura e Bacharelado em História, pela professora que logo se tornaria minha orientadora de Monografia e é ainda hoje minha orientadora no Mestrado.
Voltando de onde havíamos começado, o próprio livro Carlos Magno de Jean Favier foi-me muito útil ainda na graduação em História... quando, por ocasião de uma prova sobre período carolíngio fui perguntar a professora qual o parecer dela sobre a obra ela disse-me que se eu havia lido o livro inetiro, não necessitaria estudar para aquela prova...

Curisosos e fascinantes são os caminhos pelas quais nos conduz a Providência do Bom Deus! Essa pequena reflexão é também uma ação de graças pelo auxílio Divino que pôs em mim não só o gosto apaixonado e motivador pela História como também tem me concedido, não obstante minha pequenez, as graças necessárias para continuar exercendo o ofício da pesquisa e divulgação do conhecimento histórico em toda a sua riqueza e beleza. Ao pensar nisso, sinto-me partícipe daquela alegria e convicção de Hugo de São Víctor acerca da beleza, utilidade e nobreza dos conhecimentos das várias áreas, que ele tão eloquentemente expôs em seu Didascalion.