segunda-feira, 7 de março de 2011

Falsas alternativas: tradicionalismo e progressismo

Por Dietrich von Hildebrand em: Cavalo de Tróia na Cidade de Deus. Ed. Agir, 1970, pp.19-22. Extraído de:
http://advhaereses.blogspot.com/2008/11/tradicionalismo-ou-progressismo-falsas_12.html

“Quem lê a luminosa encíclica Ecclesiam Suam, do Papa Paulo VI, ou a magnífica Constituição Dogmática da Igreja, dos Padres Conciliares, só pode ficar convencido da grandeza do Concílio Vaticano II. Mas, quando se volta a tantas publicações contemporâneas, algumas delas de autoria de teólogos, de fato, famosos, outras de teólogos de menor renome, outras de leigos que nos oferecem suas diletantes elucubrações teológicas, tem-se que ficar profundamente entristecido e, mesmo, cheio da mais grave apreensão.


Será, realmente, difícil conceber-se maior contraste do que o existente entre os documentos oficiais do Vaticano II e as declarações oficiais, insípidas, de vários teólogos e leigos que tem brotado por toda parte, como verdadeira praga. De um lado, achamos o verdadeiro espírito de Cristo, a voz autêntica da Igreja, deparamo-nos com textos que, no fundo e na forma, respiram gloriosa atmosfera sobrenatural. De outro lado, encontramos deprimente secularização, completa perda do Sensus Supernaturalis, um charco de confusões. A distorção da autêntica natureza do Concílio, produzida por essa epidemia de diletantismo teológico, tem sua mais forte expressão nas falsas alternativas entre as quais nos ordenam, a todos, escolher: ou aceitar a secularização da Cristandade ou negar a autoridade do Concílio.


Essas alternativas drásticas são com bastante freqüência rotuladas de respostas “progressistas” e “conservadoras”. São termos que se aplicam facilmente a muitos domínios naturais, mas podem ser extremamente enganadores quando aplicados à Igreja. É da própria natureza da fé cristã e católica aderir a uma revelação divina imutável, reconhecer que, na Igreja, há algo que paira acima dos altos e baixos das culturas e do ritmo da história. A revelação divina e o Corpo Místico de Cristo diferem, completamente, de todas as entidades naturais. Ser conservador, ser tradicionalista, é neste caso, um elemento essencial da resposta que é devida a esse fenômeno original, a Igreja.


Mesmo um homem que não seja, de modo algum, conservador por temperamento e “progressista” em muitos outros pontos, deve ser conservador em sua relação ao Magistério infalível da Igreja, se pretende permanecer católico ortodoxo. É possível ser, ao mesmo tempo progressista e católico; mas não se pode ser “progressista” a respeito da fé católica. Essa idéia de “católico progressista”, neste sentido, é uma contradição in adjecto. Infelizmente, há muitos que, hoje, já não entendem tal contradição e orgulhosamente se proclamam “católicos progressistas”.


Com rótulos de “conservadores” e “progressistas”, em realidade colocam os fiéis na situação de ter de escolher entre a oposição a qualquer renovação, oposição até mesmo à eliminação de certas coisas que se introduziram furtivamente na Igreja por fragilidade humana, como, por exemplo, o legalismo, o abstracionismo, a pressão externa em problemas de consciência, graves abusos de autoridade nos mosteiros, e uma mudança, um “progresso” na fé católica, que obviamente só pode representar seu abandono.


Mas essas alternativas são falsas, pois existe uma terceira opção, que acolhe bem as decisões oficiais do Concílio Vaticano, mas, ao mesmo tempo, rejeita enfaticamente as interpretações secularizantes que lhes são propostas pelos chamados teólogos e leigos progressistas. Essa terceira opção baseia-se na inabalável fé em Cristo e no Magistério infalível da sua Santa Igreja. Aceita como certo que não há lugar para mudança na doutrina divinamente revelada pela Igreja. Não admite nenhuma possibilidade de mudança, exceto o “desenvolvimento” na formulação explicita do que já se achava presente na fé dos Apóstolos ou do que necessariamente daí decorre, como diz o Cardeal Newman.


Sustenta essa atitude que a moralidade cristã da santidade, a moralidade revelada na Sagrada Humanidade de Cristo e em seus mandamentos e exemplificada em todos os santos, permanece a mesma para sempre. Sustenta que o objetivo de nossa existência é sermos transformados em Cristo, tornando-nos, n´Ele, criaturas novas, segundo as palavras de são Paulo: “É esta a vontade de Deus, a vossa santificação”. Assevera esta posição a diferença radical entre o Reino de Deus e o saeculum. Leva em conta a luta entre o espírito de Cristo e o espírito de Satanás, através de todos os séculos, passados e futuros, até o fim do mundo.


Crê que as palavras de Cristo, “se fosseis do mundo, o mundo vos amaria como seus; mas, como não sois do mundo, porque vos escolhi do mundo, o mundo vos odeia” são tão válidas como em qualquer época anterior. É esta, simplesmente. A posição católica, sem nenhuma qualificação a mais. Alegra-se como toda mudança que amplia o instaurare omnia in Christo e leva a luz de Cristo aos setores da vida que foram adicionados. É de fato um encorajamento específico aos católicos a confrontar tudo como o Espírito e a Verdade de Cristo, a tempo e fora do tempo, apesar do espírito de nossa época ou de qualquer época passada. Esta renovação aprecia, com reverência, aqueles grandes dons dos séculos cristãos que precederam, que refletem a sagrada atmosfera da Igreja, por exemplo, o Canto Gregoriano e os admiráveis hinos da Liturgia Latina.


Sustenta que isso jamais deve deixar de desempenhar grande papel em nossa Liturgia e que, em nossos dias, como no passado, tem grande missão apostólica. Acredita que as Confissões de Santo Agostinho, os escritos de São Francisco de Assis e as obras místicas de Santa Teresa d´Ávila encerram mensagem vital para todos os períodos da história. Representa atitude de profunda e filial devoção ao Santo Padre e de reverente amor à Igreja, em todos os seus aspectos; é o autêntico sentire cum ecclesia. Deve ficar bem claro que esta terceira resposta à crise atual na Igreja não é timidamente comprometedora, mas consistente e sem rodeios. Não é saudosista, nem antecipa um futuro meramente terreno; está focalizada para a eternidade.


Assim, está apta para viver plenamente no presente, pois somente experimentamos, em plenitude, um presente efetivo quando conseguimos libertar-nos da tensão do passado e do futuro, quando já não somos prisioneiros de frenético impulso para o momento a seguir. À luz da eternidade, cada momento da vida, individual ou comunitária, recebe sua completa significação. Podemos fazer justiça à nossa era, portanto, somente considerando-a à luz do destino eterno do homem, à luz de Cristo. A resposta que acabamos de descrever, envolve sérios cuidados e apreensões pela atual invasão da vida da Igreja pelo secularismo. Considera a crise atual como a mais séria em toda a história da Igreja. Se bem quie esteja esperançosa de que a Igreja triunfará, pois o Senhor disse:`E as portas do Inferno não prevalecerão contra ela.'."

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