terça-feira, 7 de junho de 2011

Do tríplice gênero de reis



"Há três gêneros de reis (Ricardo, sobre o Apoc., I, cap. In verbo principes). Dos reis da terra, uns governam os súditos, quanto às coisas terrestres, como os príncipes seculares; outros, quanto às coisas espirituais, como os reitores das igrejas; e outros regem-se a si próprios, como cada um dos fiéis. Porém, Cristo é o príncipe de todos os reis, pois que d'Ele vem todo o poder secular, o cuidado pastoral, e a diligência pessoal de cada um dos fiéis. E todas estas coisas, assim como d'Ele recebem a origem, assim também, segundo Ele, devem ter execução, para que os príncipes, através do poder secular, administrem a justiça entre os súditos, para que os pastores, pelo cuidado pastoral, ministrem a doutrina aos fiéis que lhe forem confiados, e cada um dos fiéis, pela diligência individual, observe, para consigo mesmo, as normas de santificação. Esta é a geração escolhida, o sacerdócio real, como diz Pedro na Prim. Ep., II, isto é, a geração dos cristãos que retamente se regem pelas virtudes. E dos sacerdotes se diz que oferecem como hóstia viva a Cristo Senhor, no altar da Cruz, pela contrição da oração e mortificação da carne (Ep. aos Rom., XII).

Por conseguinte, os príncipes temporais devem defender os seus súditos contra os homens usurpadores; os pastores devem defender as ovelhas, que lhe foram entregues, contra os demônios que as atacam; e cada um dos fiéis deve defender-se a si mesmo dos vícios que o assaltam. O reino de Cristo, pois, e de seus fiéis não é carnal, mas espiritual, visto que a carne e o sangue não possuirão o reino de Deus (Pr. Ep. aos Cor., XV). Ao reino deste mundo pertencem aqueles que com o auxílio das forças humanas, e não com o auxílio divino, tentam combater ou defender-se dos inimigos(Causa XXIII, questão III, § 1)."
Fonte: PAIS, Álvaro. O Espelho dos Reis (Speculum Regum). Trad. de Miguel Pinto de Menezes. Vol. I. Lisboa: Instituto de Alta Cultura, 1955. pp. 33-35.


* Álvaro Pais, ou Álvaro Pelayo (em latim: Alvarus Pelagius) nasceu na Galícia por volta de 1275, sendo filho bastardo de um nobre. Foi criado durante a infância na corte do rei Sancho IV de Castela. Depois estudou na Universidade de Bolonha onde tornou-se Doutor em Direito Canônico. Lá também ingressou em 1304 na ordem franciscana, sendo recebido pelas mãos do ministro-geral da Ordem, Frei Gonçalo, que havia sido seu mestre na Universidade. Residiu uns tempos no convento de Aracoeli em Roma, que abandonou em 1328 devido à invasão do Imperador germânico Ludovico IV que estava em conflito com o Papado. Em 1330, Frei Álvaro passou a residir na Cúria Papal em Avignon, exercendo o ofício de Penitenciário Apostólico e confessor do Papa João XXII. Em 1332 foi nomeado Bispo da diocese de Silves, no Algarve, em Portugal. Já em sua diocese, enfrentou problemas com o rei Afonso IV de Portugal, que havia imposto taxações ao clero para custear uma guerra contra Castela (o que violava os cânones 43 e 46 do IV Concílio de Latrão). Após ser agredido fisicamente a mando do rei durante a celebração de uma missa, Álvaro Pais se exila em Sevilla, onde faleceu por volta de 1350. Sua obra Speculum Regum é um tratado propedêutico visando isntruir o rei no exercício das virtudes e no governo pautada na fé cristã. Foi reidigido entre 1341 e 1344, tendo sido dedicado ao rei Afonso XI de Castela que, juntamente com Afonso IV de Portugal, havia vencido uma coalizão de muçulmanos de Granada e Norte de África na Batalha do Salado em 1340. Está é a obra que estou estudando em meu Mestrado em História, atualmente.

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