quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Sermão de Natal de São Beda, o Venerável


"E eis que os pastores se apressam, com grande alegria, para ver aquele de quem ouviram falar. E como buscaram com fervoroso amor, mereceram achar rapidamente o Salvador. Assim também os inteligentes pastores dos rebanhos, ou melhor, todos os fiéis que se propõem a procurar a Cristo com o trabalho do espírito, o demonstram por suas palavras e atos.
Vamos até Belém, disseram, para ver esta palavra que se realizou. Vamos, pois, nós também, caríssimos irmãos, pelo pensamento, até Belém, cidade de Davi, e lembremos, cheios de amor, que nela o Verbo se fez carne e celebremos com honras sua Encarnação. Deixemos para trás as baixas concupiscências da carne e, com todo o desejo da alma, vamos até a Belém do alto, ou seja, a casa do Pão vivo, não fabricada, mas eterna no céu, e relembremos amando que o Verbo se fez carne. Para lá Ele subiu na carne, onde senta à direita do Pai. Procuremo-Lo no alto, com perseverante virtude, com coração solícito, pela mortificação do corpo, para encontrarmos reinando no trono do Pai, Aquele que os pastores viram chorando no Presépio.
E vieram apressados e encontraram Maria e José, e a criança recostada no Presépio. Vieram os pastores apressados e encontraram Deus nascido como homem e os ministros deste nascimento. Corramos nós também, irmãos, não com os passos dos pés, mas com o progresso das boas obras, para ver esta mesma humanidade glorificada, com seus ministros tendo já recebido a digna recompensa por seus trabalhos. Corramos vê-Lo na resplandecente majestade do Pai, que é também sua. Corramos vê-Lo, digo, pois tanta felicidade não se procura com vagar e preguiça, mas deve-se seguir as pegadas de Cristo com vivacidade. Pois Ele próprio, desejoso de ajudar nosso caminho, estende a mão, querendo ouvir de nós: "Atraia-nos atrás de ti, corremos no aroma dos teus perfumes".
Continuemos, então, apertemos os passos da virtude, para O alcançarmos. Ninguém se atrase a se converter ao Senhor, que ninguém deixe ir passando os dias; peçamos por todos os meios e antes de tudo, que Ele dirija nossos passos segundo a sua palavra e que o mal não tenha domínio sobre nós.
Ao vê-Lo, reconheceram a palavra que lhes tinha sido dita sobre esta criança. E nós, irmãos amados, as coisas que nos foram ditas sobre o nosso Salvador, Deus e homem verdadeiro, recebamos logo com pia fé e abracemos depressa com grande amor, para que possamos ter delas, no futuro, um perfeito conhecimento de visão compreensiva. Elas são a vida única e verdadeira dos beatos, não só homens, mas também dos anjos, que contemplam perpetuamente a face do Criador, como ardentemente desejava o salmista, que dizia: "Minha alma tem sede do Deus vivo, quando virei e aparecerei diante da face de Deus". E ele mostra que seu desejo não pode ser contentado com nenhuma influência terrestre, mas somente da visão de Deus, quando diz: "Ficarei saciado quando se manifestar a Vossa glória". E como não são os preguiçosos e os moles que são dignos da divina contemplação, nos adverte solícito: "Mas eu aparecerei diante de Vós na santidade"."
Extraído de: http://www.permanencia.org.br/drupal/node/493

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

São Leão Magno: Sermão do Natal do Senhor


"Caríssimos, animados da confiança que nasce de tão grande esperança, permanecei firmes na fé sobre a qual fostes estabelecidos, para que esse mesmo tentador, de cujo domínio Cristo vos subtraiu, não vos seduza novamente com algumas de suas ciladas e não corrompa as alegrias próprias desse dia mediante a habilidade de suas mentiras. Porque ele zomba das almas simples, servindo-se da crença perniciosa de alguns, para os quais a solenidade de hoje recebe sua dignidade não tanto no nascimento de Cristo quanto do levantar-se, como eles dizem, do “novo sol”. O coração desses homens está envolto em trevas, e eles são estranhos a todo progresso da verdadeira luz, porque ainda seguem os erros mais estultos do paganismo e, não conseguindo elevar o olhar de seu espírito acima do que contemplam com seus olhos corporais, honram com o culto reservado a Deus, os luminares colocados a serviço do mundo.

Longe das almas cristãs essa superstição ímpia e essa mentira monstruosa. Nenhuma medida poderia traduzir a distância que separa o eterno das coisa temporais; o incorpóreo, das coisas corporais; o Senhor, das coisas que lhe estão submetidas, porque, embora elas tenham uma beleza admirável, não têm a divindade, a única que deve ser adorada.

O poder, a sabedoria e a majestade que devem ser honrados são os que criaram do nada todo o universo e, segundo uma razão onipotente, produziram a terra e o céu nas formas e dimensões de sua escolha, O sol, a lua e os astros são úteis para aqueles que sabem tirar proveito deles; sã0 belos para aqueles que os olham; mas que, por motivo deles, sejam dadas graças ao seu autor e que seja adorado o Deus que os criou, não a criatura que o serve. Louvai, pois, a Deus, caríssimos, em todas as suas obras e em todos os seus juízos. Que nenhuma dúvida alfore em vós no tocante à fé na integridade da Virgem e em seu parto virginal. Honrai com uma obediência santa e sincera o mistério sagrado e divino da restauração do gênero humano. Uni-vos a Cristo, nascido em nossa carne, a fim de merecerdes ver reinando em sua majestade esse mesmo Deus de glória que, com o Pai e o Espírito Santo, permanece na unidade da divindade pelos séculos dos séculos. Amém."



Extraído de: http://humanitatis.net/?p=2780

sábado, 27 de abril de 2013

A Revelação Divina e o Processo Civilizador

Baseado em palestra ministrada pelo Pe. Gabriele Brusco, LC no Retiro de Convivência e Espiritualidade realizado pelo Grupo de Estudos Joseph Ratzinger, de Curtiba, em Mandirituba no dia 25 de março de 2012.
As três etapas da Revelação como progressivo moldador dos costumes no Povo de Deus.

sábado, 30 de março de 2013

Páscoa: uma alegria que não pode ser tirada


Hoje é o dia mais importante do ano, iniciado com a Solene Vigília Pascal. Neste dia a cerimônia da Missa é mais longa, com leituras que sintetizam toda a História da Salvação. A igreja começa no escuro e as luzes se acendem ao badalar dos sinos e ao entoar do hino Gloria in excelsis Deo. Hoje celebramos aquela alegria do qual Cristo falou ainda no dia de sua agonia aos discípulos, referindo-se a essa como uma "alegria que ninguém vos poderá tirar". Cristo ressucitou, venceu a morte. Ninguém poderá nos tirar essa razão de esperança.


É muito significativo um dos primeiros gestos da Liturgia da Vigília: a chama do Círio Pascal é passada para as pequenas velas portadas pelos fiéis. Tal gesto mostra que recebemos, tal como a pequena vela, a Fé de Cristo através da Igreja e que essa Fé é uma chama que espalha-se sem contudo dissolver-se ou diminuir-se. Cristo é a Luz do Mundo e unidos a Ele somos também chamados a ser Luz do Mundo. Vivendo os valores do Evangelho no nosso quotidiano, encarando nossos estudos, trabalhos, afazeres e todos os aspectos do dia como um serviço a Deus e ao próximo poderemos alcançar a felicidade essencial de nossa vocação cristã: a santidade! Que nossa vida seja um contínuo apostolado. Como a chama que se espalha, espalhemos a alegria de Cristo ressucitado em nosso meio!





sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Semente ou molho? Reflexão para o ano da Fé

Quando Nosso Senhor Jesus Cristo comparou a Fé ao grão da mostarda, penso que alguns sempre tentaram a pensá-la como um molho de mostarda. Explico-me: a ação da semente ou grão é interior: cai no sulco da terra, germina e cresce, fixando raízes. A ação do molho, ao contrário, esparrama-se por cima do alimento a fim  de conferir-lhe um distinto sabor que contudo, não passa de um disfarçe e de mera exterioridade, não integrando-se ao alimento sobre o qual se derramou. Assim, podemos refletir sobre o Apostolado e o Triunfalismo.

sábado, 5 de janeiro de 2013

Quem eram os magos do Evangelho II - novas considerações

Ano passado publiquei um post sobre os magos relatados no Evangelho de Mateus nas quais me baseava nas considerações de Walter Drum, na Enciclopédia Católica, que sustentava como hipótese mais provável a de que os magos seriam indivíduos pertencentes a uma antiga casta sacerdotal persa que, no reinado da dinastia dos Partos, integravam o conselho real. Tal hipótese era referendada por alguns testemunhos da Tradição que se referiam aos magos como vindos da Pérsia, bem como pela iconografia cristã da Antiguidade Tardia que sempre os representou com a indumentária persa (calças compridas, túnica curta, capa e e o tradicional gorro frígio).
Contudo, recenetmente tive contato com comentários exegéticos do Pe Ignacio de Nicolas, dos padres escolápios na qual o exegeta sustenta uma distinta hipótese: os magos pertenceriam ao povo dos árabes nabateus.[1] Pe. Ignacio argumenta que, se fossem persas, os magos teriam adentrado pela porta norte de Jerusalém, ao contrário dos Nabateus, que entrariam pelo Leste, de forma que poderiam ser mais facilmente identificados como visitantes "vindos do Oriente". Os Nabateus eram um povo de origem árabe, formando um reino próximo á Judéia. O reino dos nabateus teve relações comerciais com Herodes, embora tenha havido guerra entre Herodes e os nabateus em alguns momentos. Segundo o exegeta escolápio, os nabateus comercializavam mirra, incenso e ouro com os judeus, o que faria com que fosse mais provável os magos serem nabateus, dado os presentes oferecidos ao Menino Jesus terem sido ouro, incenso e mirra, que não eram produtos habitualmente comercializados pelos persas na região. De fato, alguns autores da Patrística sustentaram igualmente que os magos teriam provindo da Árabia ou alguma região próxima. A arte paleo-cristã, por outro lado, - ao menos no que as interpéries do tempo nos legou - , parece ter aderido unanimemente à possibilidade dos magos serem persas.
Parece-me, entretanto, que ambas as hipóteses são verossímeis. Se por um lado a hipótese do Pe. Nicolas explicaria melhor a questão dos presentes oferecidos, penso que a hipótese dos magos serem persas explicaria o temor de Herodes com a visita dos magos: basta lembrarmos que Herodes subiu ao poder como rei da Judéia em 37 a.C. destronando o monarca asmoneu Antígono, que era controlado pelo Império Parto. Não teria Herodes pensando que os magos, sendo persas, estariam buscando um outro rei, que fosse do agrado do Rei dos partos?
Mesmo não havendo consenso com relação à origem dos magos, o que importa acima de tudo é que este episódio nos mostra que Cristo veio inaugurar uma aliança para todos os povos, chamando os magos como primícias entre os povos gentios, mostrando que Deus guia todos os povos em direção do Seu Filho, Jesus.

Notas:
[1] O comentário do Pe. Ignacio pode ser encontrado aqui: http://xppascom.files.wordpress.com/2011/02/exegese-ano-a-mateus-domingo-da-epifania-mt-2-1-12.pdf

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Por que o Natal fascina?

Não, não estou falando de luzes piscantes, de árvores, da profusão de vermelho que parece uma ressurreição da tintura têxtil flamenga quatrocentista, de lojas lotadas, nem nada disso. Falo do muitas vezes esquecido, mas igualmente majestoso, nascimento do Salvador do Mundo em Belém da Judéia. Bem o sabemos que não há ainda consenso entre os estudiosos sobre a data precisa do nascimento, desde que levantou-se a hipótese de erro de cálculos do monge Dionísio Esíguo, do século VI quando passou-se a datar os anos com base no nascimento de Jesus Cristo. Sabemos, contudo, que nasceu durante o período em que Otaviano César Augusto imperava sobre a orbe romana, no tempo em que Quirino governava a província da Síria sob as ordens de César, exercendo certa hegemonia sobre o reino da Judéia, cuja coroa a cingia Herodes, dito O Grande.
Depois de longas guerras civis, Roma vivia a Pax Romana. Sob o manto e a aparência da continuidade de funcionamento das antigas instituições republicanas, Otaviano César havia inaugurado um novo regime, o Principado, colocando-se acima das demais instituições e magistraturas na condição de Princeps, o primeiro dentre os cidadãos e o primeiro no Senado. Muitos viam na figura do César uma unidade capaz de garantir a unidade do mundo romano. É verdade que Otaviano conseguiu manter relativamente a paz durante seu império, mas essa paz provinda das armas e das legiões reorganizadas provou-se instável: o título de César passou a ser disputado com violência, da mesma forma que outrora disputava-se em fratricidas guerras civis o controle da magistratura consular ou a cadeira de Ditador.




Na Judeia, reinava Herodes que soube fazer o jogo político dos romanos para consolidar seu trono, de moldes bastante helenísticos. Apoiador do general Marco Antônio (rival de Otaviano, sobrinho do ditador Júlio César), Herodes não logrou trocar de lado por ocasião da derrota do aliado na Batalha do Ácio em 31 a.C., colocando sua diadema dourada aos pés do novo senhor de Roma, Otaviano. Herodes devia essa coroa ao poder romano, haja vista que fora com o apoio do Senado romano que fora proclamado rei da Judéia por Marco Antônio e Otaviano e com o auxílio das legiões romanas que esse general meio judeu e meio idumeu conseguiu tomar Jerusalém, destronando o último rei da dinastia judaica dos Asmoneus, controlado pelo rei dos Partos (dinastia reinante na Pérsia). Desta forma, Herodes carecia de legitimidade frente ao povo judeu, tanto devido à sua origem quanto à forma com que adquiriu seu poder. Ao passo que os precedentes reis asmoneus detinham junto ao poder régio o ofício de Sumo Sacerdotes do Templo de Jerusalém, Herodes reinava à maneira dos reis helenísticos, tal como os reis da dinastia selêucida, contra os quais os judeus haviam se rebelado um século antes devido à tentativa de imposição do culto greco pagão em detrimento do culto judaico. Herodes consolidou seu poder através da via militar, construindo grandes fortalezas em pontos estratégicos do reino, bem como organizando um exército inspirado dos moldes romanos e helenísticos, além do uso de mercenários de diversas regiões. Dessa forma entende-se o por quê Herodes temia tanto a vinda de outro rei: ele sabia bem que sua legitimidade era questionável. 
A verdade é que tanto Augusto quanto Herodes só detinham algum poder sobre a terra por desígnio da Divina Providência.
Quando já estava consolidado Otaviano como César e Roma e quando Herodes já reinava seus últimos anos na Judéia, nasceu em Belém o próprio Deus feito carne. Esquecido. Quase não foi notado. Nasceu em um estábulo de animais, sujeito ao frio, em meio ao odor dos excrementos de bovinos e eqüínos, ao mesmo tempo em que Augusto residia em sua suntuosa residência no monte Palatino e Herodes revezava-se entre seus luxuosos palácios de Jerusalém e Jericó. Contudo, esse Menino que nasce despojado é não somente o Senhor de toda a terra que o abriga e de todo o céu escuro que o encobre, mas tudo isso é igualmente obra Sua. O fascínio do Natal reside nesse fato: o frágil bebêzinho que dorme envolto em baixas timidamente protejendo-se do frio naquela improvisada cama de manjedoura onde se nutriam os animais é o próprio deus, cuja Glória cantam os anjos! Não nos comove o fato de vermos Deus, de quem nos sentimos tão distantes pela fragilidade e pequenez de nossa natureza decaída, bem como o peso de nossa inqüidade, tenha tomado a nossa natureza para nos salvar? Aqui Deus mostrou que a grandeza da Natureza humana, que criou para amá-Lo e estar sempre unido a Ele, não obstante tenha se perdido pelo pecado, foi restaurada de forma admirável quando o Filho de Deus se fez homem, assumindo a natureza humana desde o momento da concepção no ventre virginal de Maria. O Senhor nos deu uma lição de humildade com seu desapercebido nascimento.

Naquela noite derradeira, poucos tiveram conhecimento ou estiveram abertos para contemplarem a natividade do Salvador enquanto muitos tinha ciência de quem era Augusto e quem era Herodes. Mas muito mais do que as estátuas de César e as grandiosas obras arquitetônicas de Herodes, esse escondido episódio do estábulo de Belém multiplicou-se por séculos de Arte Sacra e os presépios ainda dominam em muitos lugares, muito embora muitas pessoas hoje em dia queiram proscrever os presépios por motivos muito menos nobres dos que foram provavelmente utilizados como desculpar para não darem hospedagem à Sagrada Família nos lares de Belém.
Felizes foram os pastores humildes que receberam a graça do anúncio do anjo e puderam contemplar a sublime visão do Deus Menino dormindo evolto em faixa, embalado pelo canto celeste dos coros angélicos! Felizes foram os magos que, mesmo distantes, souberam abrir-se à Verdade, reconhecendo e seguindo os sinais de Deus podendo também encontrar á Jesus e prestar-Lhe suas homenagens! Infeliz foi Otaviano, que faleceu sem saber que sob seu império começava a obra da Redenção! Infeliz foi Herodes que, mesmo sabendo da chegada do Salvador quis em sua soberba disputar o lugar com o próprio Deus!

Que tenhamos o exemplo dos pastores e dos magos e sabiamos nos abrir à Graça de Deus. Aproveitemos especialmente a Santa Missa para contemplarmos e nos unirmos a esse Jesus que se fez pequenino por nós em Belém. Quantos não suspirariam pela chance de estarem presentes naquela noite santa, diante daquela manjedoura?! Pois bem, vós estais diante do mesmo Jesus que se fez Menino, quando vos colocais diante da Eucaristia! Na Eucaristia está presente o mesmo Cristo, em Seu Corpo, Sangue, Alma e Divindade, que sentiu frio e chorou em Belém.
Pensemos também em renovarmos nossa defesa pela Dignidade Humana, dignidade essa que valeu a vinda do próprio Deus na carne. Que o Senhor, que nasceu rejeitado, nos ensine a sermos mais caridosos.
É verdade que continuam a haver maldades e injustiças no mundo, pois nem todos tiveram ainda a boa vontade de receber o Principe da Paz! Mas desde aquela noite em que Deus nasceu como um bebêzinho, o mundo nunca mais foi o mesmo. Que a beleza humilde e sublime desse acontecimento que essa noite celebramos nos inspire a sermos mais santos!